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A 38ª Vítima – Um ensaio sobre a morte na Ponte Rio Niterói e a Violência no Rio de Janeiro
Cenas de violência no Rio de Janeiro já deixaram de ser novidade faz tempo e eu sinceramente não entendo o porquê de ainda termos o apelido de Cidade Maravilhosa se nem direito de ir e vir temos mais. O caso do menino de 6 anos João Hélio, arrastado em 2007 por 7 km e morto após ficar preso no cinto de segurança do carro de seus pais que fora assaltado por 5 jovens, entre os quais um menor, num sinal vermelho do Bairro Oswaldo Cruz já não comove mais. Nem a morte do menino Kayo da Silva Costa, 8 anos, vítima de uma bala perdida quando passava com a sua avó, no lugar errado e na hora errada, na calçada oposta do Fórum de Bangu, exato instante que um bando armado tentou resgatar um comparsa do crime que seria julgado naquele dia vai comover agora, mas pode fazer pessoas buscarem o caso no Google porque igualmente já caiu no esquecimento. No seqüestro do ônibus 174, em 2000, Sandro Barbosa do Nascimento e Geiza Gonçalves acabaram mortos, após 4h do primeiro seqüestrar um ônibus e manter alguns reféns sob a mira de sua arma. Houve o cerco, o estabelecimento de um perímetro de segurança, alguma negociação, muita tensão, e quem se dedicar a revisitar o passado poderá assistir vídeos em que foram perdidas inúmeras chances de resolver o caso sem a morte da Geiza, porque Sandro ao longo das 4 horas dera muitas chances para receber um tiro de precisão. Mas agora lembramos que ele morreu vítima de um mata-leão dado por um policial, logo após ser preso depois que uma ação desastrada da polícia atacou-o quando ele estava já fora do coletivo, mas ainda com a arma na cabeça da moça e em vias de se entregar. Por que esperaram tanto? Por que uma polícia que tem pós doutorado em conhecer a malandragem do Rio não foi mais esperta e atacou antes? Pouco se sabe, mas Sandro foi um sobrevivente da Chacina da Candelária em 1993 quando 2 Chevettes com placas cobertas chegaram ao local e atiraram contra dezenas de pessoas e 8 foram mortos. Algumas investigações apontam para uma ação paramilitar, ou seja milicianos. E hoje ocorreu o caso do tiro fatal que celebrou o fim de um seqüestro na Ponte Rio-Niterói e a morte do rapaz de 20 anos Willlian Augusto Nascimento cujas motivações pouco se sabe, mas que já está bem claro que passava por problemas graves, pelo menos na parte mental e comportamental, porque nenhum normal cometeria aquele ato contra 37 pessoas e em um minuto deixou de ser cidadão para criminoso. Crime é crime, não? Não defendo a morte mas 1 contra 37 não se pode discutir. Um paga, claro.
O que desejo com a citação desses casos?
Em primeiro lugar, desejo trazer uma reflexão de por quanto tempo vimos sofrendo pela violência urbana na Cidade Maravilhosa. Vivemos épocas de seqüestros, de assaltos à bancos, tráfico e agora a guerra contra o tráfico trouxe novos atores ao cenário: milicianos, que cada dia ocupa mais e mais o espaço do Estado.
Em segundo lugar, os Direitos Humanos gritam quando pessoas são mortas pelas forças policiais do Hell de Janeiro, mas é estranho que não lamentem com igual fulgor cada uma das 163 mortes de policiais no RJ em 2017 ou das 92 vidas em 2018 (uma redução de 43% e que em 2019 continua caindo). Atos contra a morte do menino João Hélio, Kayo e Geiza fizeram menos barulho do que as mortes do Sandro e daquelas na Chacina da Candelária. Houve dois filmes sobre o famoso seqüestro do ônibus… Por que isso ocorre aqui?
Porque, em terceiro lugar e pegando como exemplo a morte de Marielle Franco (Wikipedia: solução por ser uma socióloga, política, feminista e defensora dos direitos humanos brasileira), que martirizou uma cidadã cujo crime continua sem solução e se estabeleceu uma rotina cansativa de manchetes quase obrigatórias dos jornais, a ponto de fazer o coletivo pensar que ela era mais especial que João Hélio, Kayo e Geiza e definitivamente ela não era melhor que nenhum deles, nem mesmo era melhor que os seqüestradores Sandro e Willian Augusto, ela não era melhor que nenhum policial ou miliciano ou traficante, que eu ou você: ela era uma igual, e a prova é que os pais do João Hélio, Kayo, Geiza, Sandro, Willian e também da Marielle choram igualmente a perda de seus filhos de modo semelhante: com a força de uma dor visceral.
Finalmente, o Rio de Janeiro tem a vocação doentia de usar casos de grande repercussão política como cortina de fumaça e eterno palanque eleitoral: discutem política NA segurança pública e não política DE segurança. Desviam a culpa para quem matou A ou B e esquecem que A ou B morrem porque o Estado não se fez presente nas áreas de saúde, educação, segurança e emprego. E é por isso que quando eu era criança ouvia que eu seria o futuro, e ainda escuto que as crianças de hoje serão o futuro de amanhã. Lamento, mas não existe futuro sem direito de ir e vir, de emprego e renda, de educação, saúde e saneamento básico. Não existe futuro sem um presente em paz.
Marcelo Tinoco
Instagram @drmarcelotinoco