Pivô da disputa pela apuração da morte de turista, corregedor não atendeu comandante da PM ontem.
25/10/2017 07:00:45 – ATUALIZADA ÀS 25/10/2017 08:43:13
Rio – A crise aberta entre as Polícias Civil e Militar pelo controle sobre a investigação da morte da turista espanhola Maria Esperanza Jiménez Ruiz em ação da PM na Rocinha, segunda-feira, ainda não havia sido debelada ontem. Pivô da disputa, o corregedor da PM, Wanderby Braga de Medeiros, não atendeu nem às ligações do comandante-geral da PM, Wolney Dias Ferreira.
Wanderby entregou o cargo na segunda-feira à noite porque não concordou com a decisão da cúpula da Segurança Pública de dividir a apuração com a Delegacia de Homicídios. Ou seja, os chamados crimes militares ficam com a PM, sob competência da Auditoria da Justiça Militar, e o homicídio, com a DH, em tramitação na Justiça comum.
O pedido de Wanderby para deixar o cargo foi publicado com exclusividade pelo DIA Online. Mas ontem, em nota, a assessoria de imprensa da PM informou que ele continuava no posto. “Medeiros permanecerá no cargo de Corregedor até ordem contrária do Comandante-Geral. Na Polícia Militar não existe a entrega de cargo e sim nomeação ou exoneração”, informou trecho do documento. Nos bastidores, no entanto, o silêncio de Wanderby irritou o comandante-geral. Assessores diretos de Wolney Dias sugeriram até dois nomes para assumir a Corregedoria: o comandante do Batalhão de Choque, coronel Jorge Fernando de Oliveira Pimenta, e o comandante do 28º Batalhão (Volta Redonda), tenente-coronel Damião Luiz Portella.
Cooperação
O que causou a confusão na PM foi a interpretação da nova lei sancionada pelo presidente Michel Temer, no dia 16 de outubro. Ela transfere para a Justiça Militar o julgamento de crimes contra a vida cometidos pelos integrantes das Forças Armadas em missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), executada quando governadores solicitam o envio de tropas do Exército, Marinha e da Aeronáutica para o controle de situações emergenciais de Segurança Pública. A medida, porém, não vale para policiais militares.
Para o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, titular do Ministério Público que atua junto à Auditoria da Justiça Militar e subcoordenador do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública, do órgão, a nova legislação não justifica a crise nas polícias. “A investigação do homicídio doloso continua com a Polícia Civil. Os crimes militares praticados pelos policiais, como disparo de arma de fogo, na PM. A nova lei ampliou os delitos da competência da Auditoria da Justiça Militar, como a tortura. Mas, em relação à Rocinha, o inquérito policial militar só pode apurar os crimes militares. É preciso união entre as polícias. Nada substitui a cooperação entre as forças”.
Empresa de turismo pode ser responsabilizada criminalmente
A Polícia Civil iniciou ontem uma investigação para apurar quais foram os crimes cometidos pela empresa de turismo Transport Rent Service Agency, que não teria avisado os turistas espanhóis dos riscos que corriam na visita à Rocinha. De acordo com a delegada Valéria Aragão, da Delegacia Especial de Atendimento ao Turista, um deles teria sido o artigo 66 do Código do Consumidor, que é ‘fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços’.
“Os próprios turistas sobreviventes falaram: ‘doutora, se nós soubéssemos que a Rocinha estava daquele jeito, nós jamais teríamos ido’. Isso para mim, além da responsabilidade em não informar o tipo de segurança do serviço, já caracteriza uma omissão”, disse a delegada, que não descartou responsabilizar a empresa por outros crimes mais graves. Em nota, a agência alegou que não recebeu qualquer informação da polícia sobre confrontos ou problemas na comunidade na segunda.
Em depoimento na noite de ontem, o guia local da Rocinha, Leonardo Soares Leopoldino, afirmou que avisou à empresa “que era desaconselhável ir à favela naquela manhã”. A declaração entra em conflito com a versão da guia da agência. No dia anterior, ela afirmou que este mesmo guia disse “que a situação estava tensa, mas o passeio era possível”. Leonardo teria alertado contra o passeio por pensar nas vidas dos visitantes. “Não enxergo os turistas como notas de dólares”, declarou, em depoimento.
Liberdade pelo TJ, mas detido por crime militar
O tenente PM Davi dos Santos Ribeiro, que atirou no carro dos turistas teve a liberdade provisória decretada Tribunal de Justiça do Estado. A decisão, divulgada ontem, é do juiz Juarez Costa de Andrade. No entanto, o tenente ficará preso por tempo indeterminado por crime militar (uso de arma de fogo).
Ele responderá por homicídio. “Neste contexto, se de um lado, o trágico acontecimento repercutiu nesta Capital e no mundo, fato é que o custodiado estava trabalhando, possui imaculada ficha funcional, não havendo indícios de que solto possa reiterar o comportamento criminoso ocorrido à luz do dia”, diz a decisão.
O magistrado destacou que o militar não tem condições psicológicas de retornar às operações nas ruas e que deve ser afastado do policiamento ostensivo, exercendo apenas atividades administrativas. Ele também está proibido de manter contato com as testemunhas, inclusive militares que participavam da ação.
Fonte: ODia