A Polícia Militar do Rio começará a implementar, em agosto, o Sistema de Ocorrência Virtual (SOVi), permitindo que 22 mil policiais de todo o estado façam registros de ocorrência no local do crime, através de seus próprios celulares. Se, por um lado, o novo aplicativo diminui o movimento nas delegacias, por outro representa mais uma tarefa a ser incorporada pelos agentes, o que pode sobrecarregá-los, segundo especialistas.
Secretário da PM, o coronel Rogério Figueredo estima que, depois que o aplicativo estiver sendo usado em larga escala, o deslocamento dos policiais para as delegacias será desnecessário em 85% dos casos.
— O serviço funciona graças a um aplicativo no celular pessoal dos agentes da atividade-fim, que estão nas ruas, com recursos de voz, texto, inserção de imagens e geolocalização. A ideia é otimizar o trabalho do PM e a vida do cidadão. Isso traz um ganho enorme, evitando a ausência do militar no seu local de atuação, já que o acompanhamento da vítima até a delegacia pode levar horas. No fim, os envolvidos recebem uma cópia da ocorrência por e-mail — explica o coronel.
Apesar da otimização do tempo, o especialista em segurança pública José Ricardo Bandeira alerta que os agentes terão de lidar com mais uma demanda:
— Hoje temos um efetivo militar quase 50% menor que o necessário, e com mais essa atividade pode haver uma sobrecarga na atuação policial. Mas, se bem estruturado, o sistema provoca como efeito colateral a agilidade em relação ao registro e à liberação mais rápida do policial para seguir com patrulhamento.
Quando foi anunciado pelo governador Wilson Witzel (PSC) como uma das principais mudanças para a área da segurança pública do Rio, o SOVi foi criticado pelo fato de PMs não terem a obrigação da formação em Direito, como é o caso dos delegados. Assim, dizem especialistas, o registro pode ficar comprometido, e a falta de conhecimentos técnicos pode prejudicar a tipificação do crime.
— Os oficiais da Polícia Militar têm uma sólida base em Direto, mas os praças não têm essa formação. Outro fator importante é quando a ocorrência vier a encobrir uma má atuação do PM. Vamos supor que o caso esteja envolvendo abuso de autoridade do mesmo policial que fará o registro da ocorrência. O inquérito já nasce contaminado, com sérios prejuízos ao cidadão — opina Bandeira.
Disque-Denúncia e 190 estarão integrados
A Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, foi a região escolhida para implantação do projeto piloto, em junho do ano passado. Ainda de acordo com o secretário da PM, a corporação ganhará a integração de outros dois bancos de dados para otimizar a nova operação. Informações do serviço do 190 e do Disque-Denúncia serão unificadas e possibilitarão a consulta mais riqueza de detalhes:
— Reunir esses bancos de dados faz com que eles sejam mais úteis no processo decisório de cada batalhão, permitindo o entendimento do cenário para otimizar os recursos e alcançar o melhor resultado operacional. Há uma riqueza enorme de dados nas ligações do 190. Os moradores são essenciais dentro do processo.
Segundo o coronel Figueredo, a ferramenta ainda vai evoluir muito.
— A ideia é que o policial militar possa fazer, pelo seu próprio smartphone, o reconhecimento facial do cidadão abordado e consultar se há mandados de prisão contra ele ou passagens. Outro desafio é aperfeiçoar o sistema integrado de câmeras de monitoramento de todo o estado, um verdadeiro cerco eletrônico. Permitir, por exemplo, que um policial na Linha Amarela receba a informação de um carro roubado e consiga, pela placa, saber naquele momento para qual direção o veículo seguiu — pontua o coronel.
Atuação em crimes específicos
Para o secretário Rogério Figueredo, entretanto, grande parte dos crimes cometidos é fácil de ser identificada. Ele aponta ainda a experiência de rua dos agentes. Além disso, apesar de os PMs terem a permissão do registro, ainda será preciso o aval do delegado responsável para que a ocorrência entre no sistema da Polícia Civil.
— Durante o inquérito, o delegado pode reavaliar a tipicidade do crime e fazer uma edição do documento, até porque podem surgir fatos novos. Além do mais, alguns crimes são claros: roubo a residência é sempre roubo a residência, assim como assalto a mão armada é sempre um assalto a mão armada, ou seja, são crimes quase universalizados — argumenta Figueiredo.
Com o SOVi, vítima e autor, quando possível, são ouvidos pelo PM e podem ser liberados em seguida. Crimes como roubos a pedestres ou a residências e os considerados de menor potencial ofensivo, com penas de até dois anos, não serão encaminhados a delegacias. Crimes contra a mulher e situações que precisem de perícia e prisões em flagrantes ainda serão registrados somente na presença de um delegado. No fim do registro, os usuários do serviço poderão ainda avaliar o atendimento prestado.