Algumas famílias do Rio de Janeiro foram obrigadas a sair de suas casas apenas com a roupa do corpo por causa da perseguição de criminosos. Pelo menos um quarto da população do Rio de Janeiro vive em áreas de risco que possuem algum tipo de influência de quadrilhas de criminosos.
A cidade tem 1.018 favelas que reúnem quase 1,5 milhão de moradores, segundo o Instituto Pereira Passos. Especialistas em segurança pública estimam que o número de pessoas sob o poder dos criminosos possa ser até maior, já que não há um mapeamento detalhado e atualizado das áreas dominadas.
Policiais perseguidos
Grupos de traficantes e milicianos impõem regras à população e interferem na liberdade básica dos moradores, que têm os movimentos vigiados e têm até as redes sociais monitoradas pelos criminosos. Até os policiais são obrigados a sair de onde vivem.
“Eu morei numa rua por 25 anos. Um dia, em novembro de 2016, os traficantes, expandindo o território da Cidade de Deus, tomaram conta dessa rua, que fica na Freguesia. O meu filho chamou a namorada para sair de casa e nisso os traficantes, três dos seis traficantes, se aproximaram da casa e disseram que iam chamar o pessoal, porque sabiam que o filho do policial estava naquela rua, estava naquela casa. Eu fui expulso”, disse um policial, que preferiu não se identificar.
O sentimento do agente é de desolação.
“Eu tive que abandonar a minha casa. Minha casa ficou vazia, largada. Uma casa que eu amava, que eu construí, uma casa onde eu criei meus filhos e eu tive que largar por uma questão de sobrevivência. Ou eu fico e morro ou abandono a minha casa”, afirmou o policial.
Ele destaca que não é uma exceção na corporação onde trabalha, e que outros colegas também já foram expulsos de onde moravam. “Um dos policiais inclusive foi expulso por milícia”, afirmou.
O policial explica a maneira como os criminosos exerciam poder sobre o território. “Eles circulam na rua de arma em punho, de fuzis, armas importadas, armas que a gente conhece e são superiores às que a polícia usa. Eles fazem blitz. Eles colocam as pedras, os carros têm que contornar, eles apontam armas, mandam descer, dão geral, procuram armamento, procuram saber se a pessoa é polícia e, se for, vai ser executado.”
‘Imposto’ para a milícia
Outro morador do Rio, que foi expulso de casa pela milícia, conta como o lugar onde ele morava foi tirado da família.
“Eu recebi um imóvel, um terreno grande, e o grupo da área ficou interessado. Queriam que eu pagasse ágio e ficou me extorquindo, me extorquindo. No total, eu paguei quase uns R$ 400 mil para a milícia. E mesmo assim continuaram me extorquindo. Chegou uma hora que eu dei um basta e denunciei todo mundo”, conta o homem.
Após denunciar a atuação, ele foi ameaçado e expulso da própria casa pelos crimonisos.
“A gente ficou indo de um lugar para o outro, e pode correr de um lugar para outro. E chegaram na gente por causa disso. Acharam onde eu estava através do meu cartão do banco e assim foi”, afirma. Segundo ele, os milicianos iniciaram uma série de perseguições.
A família dele foi ameaçada e atualmente vive de maneira precária e com medo de serem encontrados. “Eu mudei para três endereços, e eles acharam os três”, explicou.
Relações divididas por facções
A Avenida Cesário de Melo funciona como uma avenida imaginária. Ao longo de cinco quilômetros, ela separa seis comunidades controladas por grupos de traficantes e milicianos rivais. Cada um deles impõe regras próprias.
“A divisão é bem clara. E os moradores ficam reféns. Quando você mora em uma comunidade de outra facção rival você não pode ir do outro lado pegar um ônibus no qual possa ir trabalhar. É um território inimigo, e você fica muito exposto a isso”, explicou um morador de uma das comunidades.
Até famílias são obrigadas a viver separadas. “Se eu tenho familiar que é de uma outra favela que não seja da mesma facção que a minha, eu não tenho liberdade de visitá-lo. Ou de namorar alguém que não é da mesma favela, da mesma facção”, diz uma moradora.
Os encontros com moradores de comunidades rivais acontecem em áreas consideradas neutras. Até conversas e amizades em redes sociais com pessoas de outros locais são observadas.
“Já deixei de estudar, já deixei de trabalhar e já deixei de conseguir emprego porque eu falei onde eu morava”, afirma uma moradora.
Marcus Faustini, da agência de redes para a Juventude, destaca a falta de direitos plenos para a toda a população.
“Isso significa uma perda de cidadania, sobretudo há uma parte dos cidadãos cariocas, do Brasil, que não tem acesso a direitos básicos como liberdade, segurança, direitos sociais. É muito claro que o Brasil precisa garantir os direitos para todos”, explicou o especialista.
A Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro afirmou que atua com rigor no combate às organizações criminosas e que, nos últimos dez anos, prendeu 1.326 milicianos. A Polícia Militar falou que é de conhecimento de todos que existem regiões do RJ que sofrem influência direta de quadrilhas e que são inúmeros os casos em que dá apoio a policiais ameaçados.
FONTE: G1