Os 27 homens mortos pela polícia na operação mais letal da história do Rio, no Jacarezinho, foram atingidos por 73 tiros. É o que revelam os laudos dos exames de necropsia, obtidos pelo GLOBO. Os documentos também mostram que quatro dos mortos foram atingidos pelas costas e que um dos cadáveres apresentava uma ferida produzida por um disparo feito à curta distância. Parentes dos mortos afirmam que eles foram executados. A Polícia Civil nega e alega que todos foram mortos em confronto com os agentes. Além dos 27 homens, também foi morto durante a ação o policial civil André Leonardo de Mello Frias.
O cadáver que apresenta uma ferida com características de disparo feito à curta distância é o de John Jefferson Mendes Rufino da Silva, de 30 anos. Ele foi um dos sete homens mortos dentro de uma casa na Rua do Areal. Segundo o laudo de necropsia, feito pelo legista Alberto Jorge de Souza Carvalho, a ferida causada pelo disparo que atingiu Silva na barriga apresentava “zona de tatuagem dispersa, sugestiva de que o disparo tenha ocorrido entre 60cm e 70cm”. A “zona de tatuagem” é causada por vestígios de pólvora que o cano da arma solta — um indício de que o disparo foi feito à curta distância, segundo a perícia. Além do tiro na barriga, Silva foi atingido por outro disparo, no meio das costas.
Já os exames de Isaac Pinheiro de Oliveira, Rodrigo Paula de Barros, Cleyton da Silva Freitas de Lima e Jonathan Araújo da Silva mostram somente feridas causadas por disparos feitos pelas costas dos homens. Nos casos dos dois últimos, a trajetória dos disparos revela que os tiros podem ter sido feitos por atiradores que estavam num plano abaixo das vítimas. O cadáver de Silva apresentava uma ferida causada por entrada de projétil no meio das costas, com saída pela testa. Já o de Lima tem ferida de entrada nas nádegas e saída na altura da axila.
Um corpo apresenta feridas causadas por seis disparos — o maior número encontrado nos exames. Richard Gabriel da Silva Ferreira foi atingido por dois tiros no peito, um na barriga, um nas costas e um em cada um dos braços. Segundo o laudo, todos os tiros que o acertaram foram disparados por fuzis. Ferreira foi baleado dentro de uma casa. A perícia feita no local não encontrou nenhum vestígio de confronto — como marcas de tiros feitos em direções opostas, por exemplo.
Dois cadáveres apresentavam as vísceras à mostra, para fora do corpo, quando deram entrada no Instituto Médico Legal. Um deles é o de Luiz Augusto de Oliveira Faria, que apresenta feridas no braço esquerdo, no peito e na barriga.
Três cadáveres tinham, além de feridas causadas por tiros, escoriações por arrasto. Em cinco das seis casas onde os homicídios aconteceram, peritos encontraram marcas de sangue produzidas por corpos que foram arrastados. Todos os 27 baleados foram retirados da favela e levados a hospitais, onde já chegaram mortos. Como o GLOBO revelou, o socorro às vítimas demorou até cinco horas: há casos de baleados às 7h que só deram entrada em hospitais depois de meio-dia.
Procurada para comentar os documentos, a Polícia Civil afirmou que “os laudos são compatíveis com o que ocorre em casos de conflito armado em ambientes confinados”. Segundo a corporação, “só é possível uma análise técnica após o confronto de todas as provas produzidas, assim evitando conclusões precipitadas”.