Em um estúdio bem equipado na Zona Leste de São Paulo, na tarde desta segunda-feira (11), Leandro Aparecido da Silva, o MC Fioti, tira o celular do bolso e começa a cantar, virado para o aparelho: “É a flauta envolvente que mexe com a mente de quem tá presente…”
Fioti explicava ao G1 como fez seu hit sem nenhum daqueles equipamentos profissionais ali. Usou o que tinha na hora: um celular como microfone e um notebook “cheio de vírus, o pior que tem”. Com isso, tocou o ano inteiro no Brasil. Agora, envolve executivos musicais britânicos, um astro do reggaeton colombiano e outro do rap dos EUA em uma aposta de sucesso mundial.
Você já deve conhecer “Bum bum tam tam”, mesmo sem querer. Foi uma das músicas mais tocadas neste ano no Brasil e gerou, em nove meses, 480 milhões de visualizações no YouTube. É o funk brasileiro mais ouvido na história do site. Mas talvez você não saiba que…
- A “flauta envolvente” da música é um trecho da “Partita em Lá menor”, escrita pelo alemão Johann Sebastian Bach por volta de 1723.
- A partir de uma gravação da flauta que achou na internet, MC Fioti fez tudo sozinho: compôs, cantou e produziu em uma noite só (veja a criação no vídeo acima).
- Fioti, 23 anos, já trabalhou em lanchonetes, foi ajudante de pedreiro e catou papelão e alumínio na rua. Cresceu no Capão Redondo, Zona Sul de SP. Não conheceu o pai e hoje ajuda a mãe, que não precisa mais trabalhar como doméstica.
- Ele despontou como produtor no ano passado. Passou o ano dormindo em um colchão ou numa boia de piscina no chão da produtora (veja perfil no primeiro vídeo abaixo).
- Nesta sexta (15), o funk ganha versão trilíngue para tentar globalizar o hit, com o colombiano J Balvin, o rapper dos EUA Future, a britânica Stefflon Don e o espanhol Juan Magán.
- O lançamento é do selo britânico Island Records, um dos maiores do mundo (lança Elton John, Demi Lovato, Bon Jovi…), que manteve a batida original do funk de Fioti (saiba mais no segundo vídeo abaixo e leia mais a seguir)
O G1 conheceu junto com Fioti a nova versão global de “Bum bum tam tam”, no estúdio de Santiago Ferraz. O produtor tinha acabado de chegar de uma viagem que passou por Miami, Londres e Medellín, para gravar os vocais de cada um dos músicos.
Fioti ficou empolgado com a parte de Future, um dos maiores nomes do rap atual. Com a música fazendo tremer a parede do estúdio, o brasileiro vibrava junto ao ouvir o rapper cantar o verso “I’m king of the bunda'”: “Tá bala”, elogiava.
Para dar uma noção da moral do rapper hoje, em seu novo disco, Taylor Swift escolheu apenas duas participações: Ed Sheeran e Future. Já J Balvin gravou “Mi gente”, um dos maiores hits do mundo em 2017, e lançou com Anitta outro sucesso global, “Downtown”.
Autodidata do batidão
Fioti cresceu no Capão Redondo, terra dos Racionais MCs, e tem o rap como referência de produção. Mas, como várias crianças de sua geração na periferia de São Paulo, se encantou pelo funk, e resolveu fazer suas próprias músicas.
Os métodos eram precários. ‘Comecei a gravar num celularzinho velho. Convertendo música para mp3 e me matando para produzir’. Filho de doméstica, conseguiu um computador emprestado e aprendeu sozinho a mexer nos programas de áudio.
Antes de começar a ser remunerado pelas produções, se virava para ganhar dinheiro: trabalhou nas lanchonetes Burger King e Bob’s, fez bicos de ajudante de pedreiro e também ganhou trocados catando papelão e latinhas de alumínio na rua.
Chegou a trabalhar em uma produtora no Capão Redondo, onde ganhava 200 reais por funk. Mas o primeiro emprego fixo veio só no ano passado, na produtora RW – empresa que tem como um dos sócios Rogério da Silva, pai do MC Gui.
Dormindo na boia
Fioti produzia músicas da RW e, eventualmente, também cantava. Como o estúdio fica na Zona Leste, ele fez uma proposta aos patrões: “Pedi que me deixassem dormir lá. Vir da [Zona] Sul para a Leste, é muito caminhada. E também, haja dinheiro para gastar com condução.”
Fioti passou um ano dormindo em um colchão ou em uma boia de piscina que colocava no chão da produtora. ‘Mais produzia que dormia’, lembra.
Após este ano de labuta, em 14 de fevereiro de 2017, Fioti estava passando a noite no apartamento de sua namorada, a MC Bella (que tinha acabado de emplacar um sucesso no funk de SP, “Arlequina”). Foi ali que ele criou “Bum bum tam tam”.
Funk de um homem só
“Comecei a pesquisar alguns tipos de flauta, coisas antigas. E nisso eu achei a ‘flautinha do Sebastian Bach’. Baixei e fiz o primeiro sample”, conta. Entre baixar a gravação da flauta que achou na internet, montar a batida, criar e gravar os vocais e produzir todo o resto da música, foram seis horas – o que ele considera “muito tempo”.
Os ruídos da gravação da voz no iPhone foram incorporados à faixa. Ele tentou regravar o vocal depois. ‘Mas saiu a essência, ficou aquele negócio de muita qualidade de estúdio. E o legal é isso aqui, que está natural.’
Depois de montar tudo no notebook “cheio de vírus”, ele só levou a faixa para a RW para mixar (fazer ajustes e regular graves e agudos). Terminou em um dia e, no outro a faixa já estava no YouTube.
Bum bum global?
Santiago Ferraz conta que levou “Bum bum tam tam” em maio de 2017 para a International Music Summit em Ibiza, na Espanha, uma das maiores feiras da indústria musical. “Distribuímos para todas as gravadoras do mundo. A melhor proposta foi da Island Records e a gente começou a correr”, conta.
Enquanto Fioti considera ‘muito tempo’ as seis horas que gastou para criar ‘Bum bum tam tam’, a ‘corrida’ para fazer a versão internacional demorou cinco meses.
O problema foi achar a batida perfeita. Produtores internacionais “de calibre” encararam a tarefa. “A gravadora se propôs a fazer com essas pessoas um novo beat para a música. O resultado ficava “bonitinho”, mas não “colocava para dançar”, diz o produtor.
Depois de todos os vocais gravadas na “Bum bum tam tam” com a batida refeita por gringos, eles concluíram: a batida caseira de funk de Fioti era melhor. “Vamos usar o beat original. Aí voltou todo mundo para fazer a voz de novo”, conta Santiago.
Agora, Fioti tem um professor de inglês, aluga um apartamento na Zona Leste, vive uma “rotina de doido” entre shows e produções, e tem pouco tempo para ficar com a mãe no Capão. Mas a ajuda financeira do filho já mudou a vida da ex-doméstica. “Graças a Deus ela não trabalha mais”.
FONTE: G1