“Uma mente brilhante que se foi: o trágico fim do perito Rômulo Rodrigues Facci”
Na madrugada desta quarta-feira, 18 de dezembro, a Polícia Técnico-Científica do Estado do Rio de Janeiro perdeu um de seus mais notáveis integrantes. O perito criminal Rômulo Rodrigues Facci, de apenas 35 anos, lotado no Posto Regional de Polícia Técnico-Científica (PRPTC) de Angra dos Reis, tirou sua própria vida ao disparar contra a própria cabeça em seu apartamento, localizado no número 607 da Rua Retiro dos Artistas, no bairro Pechincha, Zona Oeste do Rio.
O incidente, ocorrido no final da noite de terça-feira, dia 17, foi um choque para amigos, colegas de trabalho e familiares. Mesmo após o disparo, Facci foi socorrido com urgência por uma equipe do Corpo de Bombeiros e levado ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca. Infelizmente, ele não resistiu aos ferimentos. A 41ª DP (Tanque) registrou o caso como “fato atípico – suicídio” e está conduzindo as investigações.
Uma trajetória marcada pelo brilhantismo e inovação
Rômulo Rodrigues Facci ingressou na Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2015 e, ao longo de sua carreira, destacou-se não apenas por sua dedicação, mas também por sua mente criativa e inovadora. Em 2019, ele ganhou notoriedade ao desenvolver, durante seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), um pó revolucionário para a revelação de impressões digitais.
O projeto foi realizado em parceria com o professor Wagner Felippe Pacheco e apresentou um impacto significativo na área forense. O novo material, além de apresentar resultados extremamente positivos nas investigações criminais, custava 70% menos do que o pó anteriormente importado dos Estados Unidos. Essa descoberta resultou na prisão de diversos criminosos e trouxe mais eficiência ao trabalho pericial.
A substância, inicialmente adotada pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, foi expandida para outros Estados, como Amazonas, Acre, Tocantins e Rio Grande do Norte, e despertou interesse até mesmo da Polícia Federal. O legado de Rômulo permanece em cada caso resolvido graças ao uso desse material.
A epidemia silenciosa entre os profissionais de segurança
A morte de Facci, no entanto, lança luz sobre uma questão que há anos vem assombrando a segurança pública no Brasil: o suicídio entre os agentes. Dados da sexta edição do Boletim de Notificação de Mortes Violentas Intencionais Autoprovocadas e Tentativas de Suicídio entre Profissionais de Segurança Pública no Brasil revelam números alarmantes.
Entre 2018 e 2023, pelo menos 821 profissionais da ativa perderam suas vidas em todo o país, sendo 759 suicídios e 62 homicídios seguidos de suicídio. Entre os inativos, foram registradas 226 mortes, das quais 221 também foram suicídios.
No Estado do Rio de Janeiro, a situação é ainda mais preocupante. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, houve um aumento de 116,7% nos casos de suicídio de policiais no estado. Esses números refletem uma realidade dolorosa e frequentemente ignorada: os desafios psicológicos enfrentados por quem dedica sua vida a proteger a sociedade.
Pressões da profissão e o peso do silêncio
A carreira policial é uma das mais desgastantes do mundo. Exposição constante a situações de risco, longas jornadas de trabalho, falta de suporte psicológico adequado e a cultura de “resistência” que muitas vezes desencoraja os agentes a buscarem ajuda são fatores que contribuem para esse cenário.
Rômulo Facci, como muitos outros profissionais, carregava um peso invisível, mesmo sendo admirado por sua competência e inovações. Amigos próximos relataram que ele raramente falava sobre suas angústias, mantendo uma postura reservada. Porém, as pressões acumuladas parecem ter cobrado seu preço.
O trágico desfecho de Facci não apenas entristece aqueles que o conheciam, mas também serve como um grito de alerta para a necessidade urgente de mais atenção à saúde mental dos agentes de segurança pública.
Legado e lembrança
Embora sua vida tenha sido interrompida de forma tão dolorosa, o legado de Rômulo Rodrigues Facci continua vivo. Sua contribuição para a ciência forense brasileira não será esquecida, e o impacto de sua pesquisa ainda é sentido em diversas investigações criminais por todo o país.
Seus colegas lembram dele como um profissional dedicado e um visionário, que sempre buscava soluções inovadoras para os desafios diários da perícia criminal. Sua trajetória é um lembrete de que por trás de cada farda, crachá ou jaleco, há um ser humano com sonhos, medos e fragilidades.
Uma chamada à ação
A morte de Facci reforça a necessidade de medidas concretas para apoiar a saúde mental dos agentes de segurança. Mais do que campanhas de conscientização, é urgente implementar políticas públicas que garantam suporte psicológico, programas de acolhimento e treinamentos que abordem o tema de maneira eficaz.
A cultura de silêncio em torno do sofrimento mental precisa ser quebrada. É fundamental criar espaços seguros para que profissionais como Facci possam expressar suas dores sem medo de julgamento ou retaliação. Além disso, a sociedade deve reconhecer e valorizar a saúde emocional desses profissionais como parte essencial do combate à violência.
Despedida
A partida de Rômulo Rodrigues Facci deixa um vazio profundo na Polícia Técnico-Científica e na vida daqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo. Sua história, embora marcada pelo sofrimento em seus últimos momentos, também é uma celebração de sua genialidade, coragem e contribuição inestimável à segurança pública.
Que sua memória inspire mudanças necessárias e que sua dor não seja em vão. Hoje, enquanto lamentamos sua perda, também somos convocados a refletir sobre como podemos cuidar melhor de quem cuida de nós.