Como faz com frequência, a reumatologista Francinne Machado Ribeiro saiu para pedalar com os dois filhos no domingo (21), no Rio. Ao voltar, teve um susto. Um post do dia anterior em seu Facebook havia tido mais de 10.000 compartilhamentos.
Na rede social, a médica havia criticado a defesa que Magaly Cabral, a mãe do ex-governador Sérgio Cabral Filho, havia feito dele, afirmando que “cometeu erros”, mas que “não é um bandido perigoso”.
Francinne é uma mulher de 51 anos que trabalha até 15 horas por dia, entre hospital público e clínica particular, gosta de andar de bicicleta (percorreu de bike o trecho português do Caminho de Santiago), correr e fazer stand up paddle. Divorciada, sustenta os filhos de 19 e 16 anos, e foi como mãe que resolveu escrever sobre Cabral.
“Também sou mãe. E nas horas vagas sou médica. Trabalho em um hospital público. De uma universidade. Estadual. No Rio de Janeiro. Como tal, assisti, impotente, a uma enxurrada de solicitações de medicações essenciais para a vida de milhares de pessoas ser negada por falta de compra… E tive, desesperada, que negar internações.… Descobri, perplexa, que o dinheiro de merenda escolar e remédio era desviado para que o governador do Estado e sua esposa advogada esbanjassem em iate, quadros, viagens com fotos cafonas, joias e privada automatizada… Seu filho não ‘cometeu erros’… Ele matou muita gente com sua caneta”, escreveu a médica em sua página com pouco mais de 1.000 seguidores, em resposta a Magaly Cabral, mãe do ex-governador Sérgio Cabral Filho.
Em jornais cariocas, a mensagem da mãe de Cabral dizia que “meu filho não é um bandido perigoso para sair algemado nos pés e nas mãos. Não estou dizendo que não cometeu erros”, em referência ao uso de algemas nas mãos e correntes nos tornozelos do ex-governador ao sair da prisão para fazer exames.
“Tento criar os meus filhos com os mesmos valores que tive. Minha mãe não me deixava voltar para casa com uma borracha de coleguinha sem que ela perguntasse de quem era e mandasse devolver. Quando vi a dona Magaly, que não conheço, passando a mão na cabeça do Cabral, vitimizando o filho… Porque ele é um criminoso comum, ou melhor, pior, porque ele teve boas oportunidades, cresceu em uma família próxima de intelectuais, do samba. Ele teve a chance de não ser criminoso”, afirma Francinne, que conta ter votado duas vezes em Cabral, do PMDB.
Agora, a médica diz que tem medo de ser processada, mas que ser cidadão é obrigação e que acha fofo o orgulho dos filhos. Na tarde de sábado (27), seu post já ultrapassava os 40.000 compartilhamentos.
A íntegra do post da médica Francinne Machado Ribeiro, que foi compartilhado mais de 40.000 vezes.
“Dona Magaly Cabral,
também sou mãe. E nas horas vagas sou médica.Trabalho em um hospital público. De uma universidade. Estadual. No Rio de Janeiro. Como tal, assisti, impotente, a uma enxurrada de solicitações de medicações essenciais para a vida de milhares de pessoas ser negada por falta de compra.
Vi, aterrorizada, centenas de leitos serem fechados no HUPE por falta de repasse de verba. E tive, desesperada, que negar admissões e internações justamente por falta de leitos. O que durante algum tempo parecia ocorrer pela crise financeira se mostrou uma farsa. Descobri, perplexa, que o dinheiro de merenda escolar e remédio era desviado para que o governador do Estado e sua esposa advogada esbanjassem em iate, quadros, viagens com fotos cafonas, joias e privada automatizada. E, não por acaso, este senhor era seu filho.
Desculpe a minha falta de empatia, mas discordo categoricamente da sua afirmação. Seu filho não “cometeu erros”. Ele fez algo mais grave. Ele cometeu crimes. C-r-i-m-e-S. No plural. É fato que ele não deu ordens de matar, a partir da cadeia. Por um motivo muito simples: ele matou muita gente com sua caneta. Que lhe foi concedida para cuidar deste estado e não para se esbaldar em Paris com guardanapos na cabeça e Loubotin nos pés.
Abre parênteses para update: Da cadeia ele não “mandou invadir”. No entanto, os lares dos cidadãos do estado foram invadidos com as imagens das mordomias concedidas ao seu filho. Enquanto milhares de presos semianalfabetos, negros e pobres apodrecem na cadeia superlotada, onde adquirem, entre outras coisas, tuberculose e sarna. E de sua nora desfrutando do conforto do seu apartamento no Leblon, ao passo que outras milhares de mães presidiárias são afastadas dos seus filhos. E não, não compartilho da máxima que as mães podem tudo. Caso não tenha percebido, vou lhe contar um segredo: seu filho lhe deu presentes caros nos últimos anos? Saiba que eles custaram os rins, corações e fígados de pessoas doentes. Fecha parênteses.
Humilhação é mendigar remédios e salários que lhe são devidos por direito. É ser achincalhado publicamente pelo seu patrão, como nós médicos fomos. É assistir inúmeros pacientes morrerem por falta de antibiótico e perderem seus transplantes por falta de imunossupressores. Dona Magaly, me desculpe se não sinto compaixão e se acho que as algemas são um castigo leve demais. Ao contrário da senhora, que tem acesso à coluna, sou mais uma médica tentando enxugar gelo todos os dias, além de tentar reconstruir, com muito trabalho, o hospital que seu filho quebrou. Infelizmente, o meu lamento não desfaz a desgraça das inúmeras famílias que seu filho provocou. Isso sim faz sentido, minha senhora.”