O QUE ACONTECE DEPOIS?
Por Ernesto Xavier
Digamos que no aspecto bélico, a intervenção federal dê certo. Assim, imaginemos que os caras retomem os territórios comandados pelo tráfico, que apreendam armas e drogas, que bandidos sejam presos em massa, que os índices de violência realmente caiam. Tipo, imagina a Noruega, Papai Noel, renas, crianças cantando jingle bells em norueguês, essas paradas de filme da sessão da tarde na década de 90.
Os militares podem voltar para suas tarefas diárias, a intervenção acaba, a segurança volta para as mãos do governo estadual.
Visualizou o cenário?
Então…o que acontece depois?
Imaginem uma árvore bem frondosa, com vários galhos e folhas. Vem um funcionário da Comlurb e faz a poda. Diminuem os galhos que estavam atingindo a fiação, somem as folhas por um tempo, a árvore fica “pelada”. O que acontece depois?
Véi…
Volta a crescer, parece até que ganha mais força, se espalha, as folhas voltam com tudo, galho pra todo lado. Eita árvore bonita! Aí tu liga no 1746 pra pedir pra alguém vir podar de novo e a telefonista (ela não vai te atender, mas…) vai te dizer que o serviço já foi feito, só lamento, perdeu menor, não vai rolar, contrata um particular. Sacou?
Eu tô tentando falar em metáfora pra ver se o conceito fixa melhor na mente.
Um helicóptero tinha 400 KILOS DE COCAÍNA EM PASTA, que virariam mais de 4000 kilinhos do pó branco. Uma carga que vale uns 10 milhões de dólares apreendido na fazenda do senador, que poderia ter a Holanda como destino final. Uau! O que aconteceu depois disso? NADA. Nadica de nada. O baile seguiu. Ninguém sabe, ninguém viu.
Esse foi apenas um helicóptero. Tem muito mais. Tem muito mais mesmo. Tem aviões. Caminhões. É muito pó. É muita erva. Quem ganha com essa parada está é rindo da nossa cara discutindo sobre intervenção federal, intervenção militar, general, Temer, Pezão. Os caras não sentem nem cócegas. O preço do bagulho tá é aumentando. Estão fazendo propaganda do negócio deles.
Traficante de favela é fichinha no negócio. É só a pontinha da parada. Tipo Silvio Santos e revendedor Jequiti. Você acaba com o revendedor, o Silvio Santos ainda tá lá, cara. Ele vai contratar outros.
Entrar na casa do Jurandir com mandado de busca e apreensão coletivo é moleza. Quero ver bater na cobertura da Vieira Souto. Aí o bicho pega. Vai vir ministro, general, juiz do STF, o escambau pra impedir. Se quisessem acabar com o problema da violência na favela, era só prender os bandidos em Ipanema. Igual acupuntura. Coloca a agulha na orelha pra curar o fígado. Funciona.
O tráfico de drogas movimenta 1,5% do PIB mundial, o que dá uns 320 bilhões de dólares por ano. Esse dinheiro tá com o pretinho na favela? Aquele cara sem camisa, cordão de ouro, bermuda da Redley, Havaianas e um fuzil? Sério que você acredita nisso?
Se, por acaso, uma grana dessa estivesse concentrada nas mãos de gente pobre e preta das periferias, a elite imediatamente daria um jeito de legalizar a parada, cobrar imposto e levar o seu por fora.
A parada funciona exatamente porque assim como no resto da sociedade, dentro do universo do crime, é na favela que fica a pior parte, o resto, o lixo, o indesejável. O aterro sanitário nunca fica no bairro nobre, meu caro.
Então, voltando ao suposto sucesso da intervenção, o que aconteceria depois?
A periferia continua com gente pobre, sem emprego, com baixa qualificação, sem posto de saúde, com escola precária, índices sociais baixíssimos, etc e tal. O moleque vai continuar sem comida em casa. A televisão vai mostrar o granfino com carro do ano e tênis Nike. Ele vai querer. A equação não vai fechar. A maioria não vai recorrer ao crime, mas…vai ter gente disponível pro recrutamento.
Desigualdade, cara.
Tu com esse papo de “ensinar a pescar”, tu é um hipócrita. Vai lá com teu anzol ensinar alguém a pegar lambari, vai. Tu não quer ver ninguém aprendendo nada. Tu quer só andar com teu Galaxy sem ser importunado. Se o moleque tomar um tiro na favela você vai é rir.
O Rio de Janeiro vai ser o mesmo quando a intervenção for embora, porque a intenção da intervenção é manter tudo como está. Ela não mexe na estrutura. Ela só pinta a parede da fachada e te vende a casa cheia de cupim na madeira.
Foto: Gabriel de Paiva – Morro da Mangueira(2007