Às vezes, esse processo torna-se irreversível. Quando percebemos, uma relação bonita e devotada é engolida por uma fenda do tempo. É tarde demais, agora compete somente cultivar a memória do que poderia ter sido ainda melhor se nossa fantasia de domínio do tempo não tivesse aplicado mais um golpe.
Esse é um dos males para administrar ao longo da vida: a capacidade de valorizar o bom. “Era feliz e não sabia” é mais que um lamento nostálgico. Comprova que a consciência das boas oportunidades muitas vezes só surge quando delas nos distanciamos.O futuro é bom, ou pode ser. Mas a estupidez da ansiedade nos faz atropelar o garantido e a construção bem solidificada em nome da possibilidade de algo melhor. Tornamo-nos negligentes com nossas conquistas por causa daquilo que aparece como o advento da felicidade.
E, assim, sangramos lenta e dolorosamente as relações. O que poderemos fazer por quem nos é caro, o que poderiam ter-nos feito. As transformações só acontecem quando agentes diferentes se dispõem ao contato.
Estar disposto é, muitas vezes, um exercício de paciência e humildade. Nem sempre o outro é exatamente como gostaríamos que fosse e nem sempre somos para eles quem gostariam.
Surgem constrangimentos infundados. “Vou aparecer assim, do nada?” Tememos incomodar, parecer vulneráveis ou invasivos. Tolices criadas pela sociedade dos fortes, dos autossuficientes, desse mundo chato onde queremos crer que não afetamos ou somos afetados.
Ao perdermos a confiança naquilo que sentimos, vagarosamente destruímos a espontaneidade das relações. Daí construímos em nós uma realidade vazia e desprovida de sentido. Como se tivéssemos alguma condição de reger os afetos ou poder para controlar a vida.