Com o guarda-chuva que Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, carregava e que foi confundido com um fuzil por policiais militares, cerca de 50 moradores dos morros Chapéu Mangueira e Babilônia, no Leme, na Zona Sul, saíram em passeata na manhã desta terça-feira pelas ruas do bairro provocando um grande congestionamento nas avenidas Atlântica e Princesa Isabel e na Rua Gustavo Sampaio. Eles reclamaram da ação da PM no morro no início da noite de segunda-feira que resultou na morte de Rodrigo.
A avenida Atlântica, a ladeira Ari Barroso e a rua Gustavo Sampaio foram alguns dos pontos percorridos durante o protesto, que contou com a presença de algumas dezenas de pessoas. Na passeata, os manifestantes exibiram o guarda-chuva preto que teria sido confunfido pelos PMs com uma arma quando a vítima estava nas proximidades do Bar do Davi.
PMs em um veículo acompanharam a manifestação pacífica durante todo o trajeto. Houve momentos de tensão, quando motoristas tentaram furar o bloqueio feito pelos manifestantes na Avenida Atlântica. Moradores chegaram a sacudir o carro de um taxista. Na Avenida Princesa Isabel, quando a passeata entrou na Avenida Nossa Senhora de Copacabana em direção ao Leme, um motorista passou xingando e foi rechaçado pelo grupo. A manifestação terminou em frente à ladeira Ari Barroso por volta de 9h30.
Pai de 2 meninos, Rodrigo tinha 26 anos e trabalhava como vigia em um bar no Leme. Ele chegou a ser levado ao Miguel Couto após ser atingido. Além dele, Jonatas Rodrigues, de 21 anos, foi baleado de raspão na costela. Ele também foi levado para o hospital da Zona Sul e teve alta no começo da madrugada. Segundo a polícia, militares dispararam tiros após serem atacados e um rádio comunicador foi apreendido (leia nota completa no fim da matéria). Por conta disso, o caso foi registrado na 12ª DP (Copacabana) não como homicídio,mas como “Auto de Resistência”.
Até quando?
Durante o protesto, os participantes lembraram casos recentes de violência policial que tiveram desfechos parecidos:
– Já confundiram uma furadeira com uma arma e mataram um trabalhador negro. Já confundiram 15 jovens negros com bandidos e mataram todos. Já mataram 21 inocentes em Vigário Geral. Quantos negros pobres precisam morrer mas para que isso acabe? – gritou pelo alto-falante Valdnei Medina Machado da Silva, ex-presidente da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira.
Ele lembrou que Rodrigo tinha passagens na polícia por roubo, mas que, recentemente, trabalhava como vigia em um restaurante do Leme e em uma barraca na praia para sustentar a família. O manifestante exigiu que o crime não ficasse impune e informou que irá procurar a ajuda da OAB e da Anistia Internacional.
A viúva de Rodrigo, a professora Thaísa de Freitas, de 25 anos, lamentou dizendo que os policiais militares despreparados acabaram com sua família.
– A comunidade estava lotada, tinha muitas crianças, muitas pessoas subindo e descendo. Eles atiraram sem ter certeza de quem estava na rua e quem eles poderiam acertar. Qual é a preparação desses PMs? Ele (Rodrigo) é mais um na estatística. Não é mais um policial ou mais uma pessoa que mora em Ipanema ou Leblon. Ele é mais um favelado que é assassinado pela polícia. Eles destruíram a minha família. Eles acabaram com a minha vida. Tenho dois filhos e agora, o que que eu vou dizer para os meus filhos? – perguntou ela, antes de ir para o Instituto Médico Legal (IML) tratar da liberação do corpo para sepultamento.
Segundo Thaísa, ela e o marido tinham acabado de chegar do mercado quando tudo aconteceu. Ela preferiu subir a comunidade de kombi, enquanto Rodrigo subiu a pé, com o filho de 10 meses colado a seu corpo pelo dispositivo conhecido como canguru. Na altura do Bar do Davi, o homem foi atingido por três tiros.
– Todo mundo viu o momento em que ele foi atingido, todo mundo filmou o despreparo dos policiais. Todo mundo sabe que ele é uma pessoa querida aqui na comunidade todo mundo gostava dele. Foi uma crueldade e uma má preparação da PM – relatou Thaís.
Tiros na creche
Segundo a Thaís, seu filho de quatro anos já se acostumou a se proteger dos tiros, após ter sua creche atingida por balas várias vezes durante tiroteios.
– Essa é a realidade dentro do Chapéu Mangueira: quem deveria proteger está matando. Depois que o meu marido foi baleado eu ainda pedi ajuda os policiais e eles me trataram super mal. Eu só queria socorrer o meu marido. Eles disseram que era para eu ir tirar satisfação com os bandidos e que eles que haviam matado o meu marido. Essa foi a cápsula que matou meu marido. Quero que a PM dê uma explicação – contou.
Valéria Assis da Silva, mãe de Rodrigo, também estava na manifestação:
– O meu filho era uma pessoa boa. Ele teve os erros dele, sim, mas pagou e estava livre. A última coisa que o meu filho me disse, nesta semana, quando eu estive aqui, foi: ‘mãe estou realizado. Eu consegui um emprego, estou de carteira assinada e vou fazer a festa para o meu filho. Estou feliz’. Foi a última coisa que ele me disse naquele dia que eu estive aqui. Eu não perdoo quem fez isso ao meu filho – desabafou ela.
Ao verem o protesto, moradores de prédio do Leme procuraram saber o que havia acontecido e alguns deles chegaram a aderir à manifestação. Foi o caso da professora de antropologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Clarice Peixoto:
– Isso não é despreparo da polícia. É política intencional. É racismo. Acredito que todo pobre e negro é bandido. Isso é cultural. Você tem um percentual alto de policiais militares, que acabam matando seus iguais. Isso precisa acaba – disse ela.
Leia texto completo da nota da PM sobre o caso:
Segundo o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora Babilônia/ Chapéu Mangueira, no início da noite da última segunda-feira (17/09), policiais militares da unidade faziam policiamento na comunidade quando foram alertados por populares que haviam criminosos na localidade do Bar do David, no Chapéu Mangueira, no Leme. Os policiais foram até o local e houve breve confronto. Policiais aguardaram até a estabilização da área e momentos após cessarem os disparos dois homens foram encontrados feridos e socorridos ao Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea. Um deles não resistiu aos ferimentos. Ele tinha anotações criminais por roubo e tráfico de drogas. Com os socorridos foi apreendido um rádio comunicador. A ocorrência foi registrada na 12ª DP (Copacabana). A Corregedoria da Polícia Militar acompanha o caso.