Cinquenta dias após o incêndio que devastou o Museu Nacional do Rio de Janeiro, pesquisadores enfrentam uma segunda tragédia: o drama de recuperar e identificar as peças. Ainda năo é possível dimensionar o total das perdas. O trabalho de escoramento do prédio do século 19 sequer terminou. A tragédia na Quinta da Boa Vista ainda é investigada pela Polícia Federal. Năo se sabe o que causou o fogo.
A localizaçăo de peças como o crânio de Luzia, fóssil humano de 13 mil anos — o mais antigo do Brasil —, do meteorito Angra dos Reis — com data de 4 bilhőes de anos, quando o sistema solar ainda estava em seus primórdios —, e de fragmentos de dinossauros, que podem ter vivido na América do Sul há 80 milhőes de anos, alimenta a expectativa de historiadores de se encontrar parcela do acervo. Outros artigos foram localizados e estăo em processo de triagem e catalogaçăo por professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A relaçăo completa năo foi divulgada a pedido da Polícia Federal. Cerca de 25 profissionais trabalham nesse processo.
Contudo, a carência de estrutura, como laboratórios, ainda é um entrave para a recuperaçăo e análise dos materiais que săo resgatados. A saída mais rápida encontrada por autoridades públicas é a compra de contêineres, orçados em R$ 2,2 milhőes, que servirăo de local de trabalho para os pesquisadores. A medida só foi possível após um convênio entre a direçăo do museu e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJDFT) para a construçăo dos laboratórios. Serăo utilizados recursos do Fundo de Penas Pecuniárias (multas aplicadas pela Justiça).
Para a retomada das atividades do museu, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestăo cedeu uma área da Uniăo com 49,3 mil metros quadrados. O local fica a menos de um quilômetro da sede do museu, queimada em 2 de setembro. A museóloga da Universidade de Brasília, Andrea Consentino, defende mais investimentos em condiçőes de trabalho para os pesquisadores. “Precisa-se reconstruir minimamente os laboratórios para que as peças sejam protegidas. Fazer isso em contêineres năo é a situaçăo ideal, mas, se momentaneamente resolve, é aceitável. Isso é importante para analisar o que será achado, o quanto e em qual estado”, explica.
Responsabilidade
O presidente regional do Conselho Federal de Museologia, Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior, cobra responsabilidade no resgate das peças. “Quando acontece qualquer desastre com uma instituiçăo museológica é preciso encontrar um outro local para preservar o que se tem e o trabalho dos pesquisadores. Existem várias instituiçőes museológicas no Rio de Janeiro que podem abrigar os pesquisadores. É impossível que a UFRJ năo tenha um espaço para realocá-los”, critica.
As buscas pelo que restou do incêndio estăo no início. As obras de reforço da estrutura do prédio ainda năo terminaram. O essencial para pesquisadores é instalar uma cobertura para proteger os escombros da chuva. Isso ainda năo foi feito. O Ministério da Educaçăo liberou R$ 10 milhőes para a recuperaçăo. Uma das hipóteses é de que armários de aço e cofres tenham preservado parte do acervo do Departamento de Geologia e Paleontologia — em um local como esses estava o crânio de Luzia. Por outro lado, a expectativa năo se estende a documentos de papel da era imperial, múmias egípcias, exemplares de insetos extintos e artefatos indígenas.
Ontem, a direçăo do museu levou para um “local seguro” o crânio de Luzia e os meteoritos. O endereço năo foi divulgado. Alguns objetos que năo foram atingidos pelo fogo por estarem em outros locais também foram transferidos para uma área de armazenagem de patrimônio histórico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para a astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto, muitas peças ainda podem ser resgatadas. “O meteorito foi encontrado intacto, pois estava em um armário de ferro que resistiu ao fogo. Seu valor é incalculável, assim como de todas as 20 milhőes de peças que estavam na instituiçăo e já foram submetidas a uma série de pesquisas ao longo do último século”, explica a professora.
Na última semana, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, começou uma campanha para sensibilizar deputados federais do Rio de Janeiro. A ideia é que eles destinem R$ 50 milhőes em emendas parlamentares para a reconstruçăo do prédio. “Esse dinheiro seria usado para recuperaçăo de parte do palácio, aquela parte mais histórica, onde você tinha sala do trono, sala do imperador, os aposentos”, adiantou.
Memória
Acervo queimado
O Museu Nacional do Rio de Janeiro é o mais antigo do país e um dos mais importantes da América Latina. Com acervo de mais de 20 milhőes de itens, como coleçőes de geologia, paleontologia, botânica, zoologia e arqueologia. No local, estava a maior coleçăo de múmias egípcias das Américas, e o mais antigo fóssil humano encontrado no continente, o Luzia. No museu, havia ainda o esqueleto do Maxakalisaurus topai, maior dinossauro encontrado no Brasil. O prédio foi residência da família real entre os anos de 1808 e 1821. Foi sede da primeira Assembleia Constituinte Republicana de 1889 a 1891, antes de ser destinado ao uso do museu, em 1892. O edifício é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. Em 2 de setembro, um incêndio de seis horas destruiu 90% do acervo.
R$ 50 milhőes
Valor que a direçăo do museu pretende angariar com emendas parlamentares de deputados do Rio de Janeiro