A luta pela emancipaçăo social e política da mulher teve, na personagem de Bertha Lutz, um de seus ápices no século 20. A história da bióloga, ativista feminista e política poderia ter caído no esquecimento quando o incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro queimou parte do acervo de uma das brasileiras mais importantes do século passado. Mas é impossível dissociar a conquista do voto feminino e o acesso das mulheres ao serviço público no Brasil da vida da bióloga paulistana. Foi no reconhecimento desta figura pública que a Unesco aprovou o arquivo de Bertha Lutz para o registro no Programa Memória do Mundo, nesta semana.
Bertha Maria Júlia Lutz foi uma das principais personagens na luta pelo voto feminino e consolidaçăo de direitos iguais entre homens e mulheres, principalmente a partir de 1919. Ela se destacava pelo controle em suas açőes e introspecçăo, segundo a professora de história do Brasil Teresa Cristina Marques, da Universidade de Brasília (UnB). “Esse autocontrole, atitude pública controlada, foi útil para abrir espaços, para ser ouvida em locais onde as mulheres à época năo colocavam o pé, como o congresso”, lembra Marques.
O acervo Feminismo, ciência e política: o legado Bertha Lutz está separado em quatro instituiçőes: Arquivo Nacional, Arquivo Histórico do Itamaraty, Centro de Documentaçăo e Informaçăo da Câmara dos Deputados e Centro da Memória da Universidade Estadual de Campinas. Em cada um dos espaços, os documentos e registros remetem a algumas das funçőes de Bertha, seja como parlamentar, bióloga ou ativista.
Riqueza
Na Câmara dos Deputados, há mais de 161 documentos da açăo política de Bertha. Entre os registros estăo projetos de lei, pareceres e vasta documentaçăo de quando ela foi deputada federal (1935- 1937). Para a arquivista Vânia Lúcia Rosa, da Câmara, um dos mais importantes documentos registra a participaçăo de Bertha Lutz na Constituinte de 1934. “Foi uma constituinte com participaçăo da sociedade, em que escolheram pessoas com representatividade em vários temas. A Bertha participou como cidadă. Ela encaminhou sugestőes para a elaboraçăo da Constituiçăo de 1934”, conta.
Entre esses documentos estăo guardadas cartas enviadas por outras mulheres ao entăo presidente Getúlio Vargas, em que se pede a exclusăo da participaçăo da ativista, caso ela fosse a única mulher representada nas reuniőes pré-constituinte. Há também o Projeto de Lei nº 623, de 1937, em que Bertha tenta criar o Departamento Nacional e o Conselho Geral do Lar, Trabalho Feminino, Previdência e Seguro Maternal, uma de suas principais propostas no curto tempo no Legislativo.
Como acessar
Os registros sobre a atuaçăo política de Bertha Lutz, guardados na Câmara, estăo liberados para a consulta da populaçăo. Para ter acesso aos documentos, é preciso entrar no site da Casa e fazer o pedido, por meio do Fale Conosco.
Cartas perdidas
O acervo de Bertha Lutz teve grande baixa em 2 de setembro, quando um incêndio destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Lá, se encontravam cartas trocadas com sufragistas de outros países em que ela contava da mobilizaçăo que ocorria no Brasil e registros de encontros da Federaçăo Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada por ela em 1922.