O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, quer implementar uma série de açőes para diminuir a populaçăo prisional em até 40% na sua gestăo, que se encerra em setembro de 2020. Ao priorizar a questăo carcerária, ele pretende fazer o cadastro biométrico de todos os detentos do país, retomar mutirőes carcerários e fortalecer as audiências de custódia. Essa última medida entrou na mira do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) há dois anos, quando apresentou projeto para derrubá-la na Câmara.
“Nossa meta está baseada na decisăo do STF que declarou o estado de coisas inconstitucional (quadro insuportável e permanente de violaçăo de direitos fundamentais a exigir intervençăo do Poder Judiciário). Dando continuidade e aprimorando políticas de gestőes anteriores, no sentido de cumprir essa decisăo, vamos reforçar as audiências de custódia e os mutirőes carcerários, além de intensificar o processo eletrônico de execuçăo penal. Tudo isso aplicado de modo sistematizado, coordenado pelo CNJ, nos permite ambicionar o alcance da meta estipulada”, disse Toffoli ao jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo dados do Banco Nacional do Monitoramento de Prisőes do CNJ, em agosto de 2018 havia 602.217 pessoas no cadastro nacional de presos – os números de Săo Paulo e do Rio Grande do Sul ainda năo foram totalmente contabilizados. O mais recente levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, estimava, em junho de 2016, que havia 726,7 mil detentos no Brasil.
Ao assumir o comando do STF em setembro, o ministro Dias Toffoli acumulou a presidência do CNJ, órgăo voltado para o aperfeiçoamento do Judiciário. Ele quer retomar os mutirőes carcerários e combater a superpopulaçăo nos presídios – uma das propostas é estimular juízes a adotarem soluçőes alternativas, como o uso de tornozeleira eletrônica. As metas de Toffoli foram traçadas assim que assumiu o comando do CNJ, em 13 de setembro, antes de Jair Bolsonaro (PSL) ser eleito presidente da República.
Durante a campanha, Bolsonaro disse que “essa história de presídio cheio” é problema “de quem cometeu o crime”. O programa de governo do próximo presidente defende a reduçăo da maioridade penal de 18 anos para 16 (depois ele falou em 17) e o fim da progressăo de penas e das saídas temporárias – duas propostas que encontram forte resistência no STF.
Conselheiros do CNJ ouvidos pelo jornal acreditam que as “bravatas” de Bolsonaro ficaram para trás e elogiam o tom mais moderado do discurso do presidente eleito. Toffoli e Bolsonaro se reuniram na última quarta-feira na sede do STF, em encontro que serviu para “distensionar o ambiente”, de acordo com integrantes da Corte.
Controvérsia
Um dos pilares do plano de Toffoli para reduzir o total de detentos, as audiências de custódia săo contestadas pelo deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, que apresentou em 2016 proposta na Câmara para anular resoluçăo do CNJ que instituiu a medida. Essas audiências garantem a apresentaçăo do preso a um juiz no prazo de 24 horas, nas prisőes em flagrante.
Nelas, o magistrado confere eventuais ocorrências de maus tratos e avalia se a prisăo deve ou năo ser mantida – Ministério Público e Defensoria Pública também săo ouvidos.
“Mutirőes carcerários e audiências de custódia já demonstraram que têm potencial, năo para provocar descalabro na sociedade, mas simplesmente para melhor selecionar aqueles que devem permanecer afastados do convívio social”, afirmou o juiz auxiliar Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalizaçăo do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas do CNJ.
Ao encaminhar a proposta à Câmara, Eduardo Bolsonaro alegou que as audiências estabelecem uma “inversăo de valores e papéis”, em que agentes responsáveis pelas prisőes passam a ser investigados, enquanto bandidos “foram travestidos de vítimas em potencial”. Lanfredi ressalta que as audiências de custódia năo servem para colocar em liberdade estupradores ou assassinos, mas pessoas que eventualmente cometeram infraçőes de menor potencial ofensivo. Para o coordenador do CNJ, as audiências de custódia e os mutirőes carcerários ajudam a evitar situaçőes de injustiça.
Em 2017, disputas de facçőes em presídios levaram a massacres com mais de 120 mortos em Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte. Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República pediu intervençăo federal no sistema prisional de Roraima, por riscos de colapso.
Meta otimista
Especialistas em segurança pública afirmam que a meta do ministro Dias Toffoli de reduzir o número de presos no Brasil é “muito otimista” e dificilmente será cumprida até 2020. Para eles, a eficiência dependerá do aprimoramento dos mutirőes carcerários, além de investimentos como a compra de tornozeleiras eletrônicas, pouco provável diante da crise econômica.
Ex-diretora de políticas penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Valdirene Daufemback lembra que mutirőes foram feitos em gestőes anteriores, mas só resultaram em soluçăo pontuais. O grosso das decisőes acabou emperrado na burocracia do Judiciário. “Se houver uma renovaçăo, com mais participaçăo direta dos juízes e processos informatizados, entăo há chance de ser eficiente”, diz Valdirene.
A ex-diretora também cita pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), de 2016, que aponta que 40% dos presos provisórios no País poderiam estar cumprindo medidas cautelares – ou seja, năo precisariam estar em sistema fechado. “A meta é otimista, mas é possível se houver um esforço conjunto em relaçăo a esses preso provisórios.”
Penas alternativas. Rafael Alcadipani, professor da Escola de Administraçăo de Empresas de Săo Paulo (Eaesp), da Fundaçăo Getulio Vargas (FGV), acredita que a meta é “audaciosa e dificilmente será cumprida”.
Para ele, é preciso investir em penas alternativas. “Hoje, a possibilidade de execuçăo de medidas cautelares é baixíssima no Brasil: falta até tornozeleira eletrônica. Cada preso deve cumprir uma pena adequada ao crime ou estaremos promovendo um perdăo judicial”, diz.
De acordo com o especialista da FGV, outra dificuldade seria política: “Na eleiçăo, a populaçăo votou no inverso do desencarceramento”. As informaçőes săo do jornal O Estado de S. Paulo.