Pelas redes sociais, imagens do mar azul-turquesa de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, correm o mundo. Mas o Caribe brasileiro, campeão de likes, sofre com o ônus da fama. Com o crescimento sem controle do turismo, a desordem aporta no paraíso — mostrando que o caos não é um problema isolado das praias cariocas, como mostrou O GLOBO nesta segunda-feira . O município de 30 mil moradores vê sua população se multiplicar por dez num fim de semana de sol. Estacionar vira suplício. Tem até congestionamento de barcos no mar, e de gente nas areias.
No último sábado antes do verão, a marina de onde partem passeios náuticos, na Praia dos Anjos, estava tomada. Na Prainha, faltava espaço para tanto guarda-sol: a morte da turista Fabiane Fernandes, vítima de violência sexual numa trilha perto dali, menos de um mês antes, parecia não ter espantado a multidão.
No Pontal do Atalaia, a tensão pairava no ar. Desde o ano passado, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) — assinado entre o Ministério Público do Rio, a prefeitura, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e um condomínio — limitou a 250 o número de carros no local, onde o estacionamento é cobrado. Mesmo assim, centenas de veículos fazem fila numa estrada estreita, com trechos bastante esburacados.
A escada que dá acesso às concorridas Prainhas do Pontal fica a cerca de seis quilômetros da cidade. O transporte até o ponto turístico se transformou em disputa que põe a cidade em pé de guerra. Até o último verão, jardineiras (um tipo de barco) realizavam o serviço, mas tiveram a segurança questionada e acabaram proibidas no Atalaia. Por terra, quando o limite de carros é atingido, o táxi vira opção, e os motoristas se digladiam.
O outro caminho é pelo mar. Ao contrário do que ocorre na Praia do Farol, com acesso regulado pela Marinha, não há limite de embarcações nas Prainhas. Perde-se, assim, a noção da quantidade de frequentadores nesse recanto, que faz parte do Parque Estadual Costa do Sol, protegido pela Reserva Extrativista (Resex) Marinha do Arraial do Cabo.
— Estudos apontam caber 1.500 pessoas por vez nas Prainhas, sem prejuízos ao meio ambiente. Esse número extrapola muito. Não há controle, por exemplo, das raias onde param os barcos, às vezes muito perto dos banhistas — afirma André Cavalcanti, presidente do Costa do Sol, vinculado ao Inea. — O órgão não tem como assumir essa tarefa sozinho.
Problema de Fiscalização
Cavalcanti lembra que vários serviços dependem do município, como a fiscalização de ambulantes e a vigilância sanitária. Já, no mar, a gestão é do Instituto Chico Mendes (ICMBio), que administra a Resex Marinha.
Capitão dos Portos, André Luiz Felix explica que as embarcações de passageiros devem se aproximar para o desembarque pelos cantos das praias e não podem ficar fundeadas perto da faixa de areia e dos banhistas. Devem deixar os turistas e se afastar, mantendo uma distância mínima de 200 metros da linha da praia.
— Quem é habilitado sabe das regras. Os comandantes são responsáveis por conduzir com segurança e proteger a vida de quem está nas embarcações e nas praias — afirma o capitão de Mar e Guerra, acrescentando que a Operação Verão da Capitania dos Portos vem atuando em todo o estado com 600 fiscais.
Chefe da área de proteção da União, Bruno Lintomem explica que 181 embarcações de turismo náutico, 13 de mergulho e 50 barcos-táxis têm permissão para utilizar a área da reserva. Ele conta, porém, que são flagrados barcos clandestinos. Preocupam ainda jet-skis e lanchas particulares que circulam, sobretudo, na Praia Grande, na Prainha e na Praia do Pontal.
Ele defende a criação de um sistema informatizado de bilheteria para as embarcações, no intuito de controlar quantas pessoas são transportadas em cada barco e quantos deles oferecem os passeios por dia:
— Não somos contra o turismo. Mas, feito de forma desordenada, como acontece hoje, é predatório.
Taxa de preservação
Secretário municipal de Turismo de Arraial do Cabo, Paulo Ribeiro diz que o número de visitantes explodiu nos últimos dois anos. Segundo ele, em feriados grandes, chega perto de meio milhão de pessoas. Muitos vêm de outros estados. É enorme também o fluxo da Região Metropolitana do Rio:
— Houve ainda uma onda de gente que adquiriu casas a preços baixos, às vezes em novos loteamentos, que ocupam ou alugam esses imóveis. Muitas viraram hostels. O município não tem capacidade, até financeira, de acomodar tanta gente. São altíssimos os custos, por exemplo, para recolher as centenas de toneladas de resíduos gerados.
Cercada por duas áreas de preservação, a cidade depende de órgãos do estado e da União para a realização de ações. Em relação a Arraial, Ribeiro destaca que a limitação do número de visitantes no Pontal do Atalaia é uma das medidas estudadas. Outra, apesar de possíveis barreiras jurídicas, é a cobrança de uma taxa de preservação ambiental, como acontece em Fernando de Noronha ou Bombinhas, em Santa Catarina. Em relação às dificuldades de estacionamento, ele diz que é analisada a criação de uma ampla área fora do perímetro urbano da cidade.