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A TRÍPLICE FRONTEIRA
Campo Grande, segundo Ricardo Sampaio é um país. E não está errado, pois temos presidente, o Guilherme da Associação Comercial, nossa polícia e forças armadas, as milícias… mas este país antes de se tornar independente era um grande, enorme bairro cortado por bondes e laranjais. Por aqui passava Dom Pedro II em direção a São Paulo ou Minas Gerais, e fazia um pit stop na Esquina do Pecado onde tinha uma amante (sic). Por isso o nome pegou. O tempo foi passando e a colônia portuguesa com Seu Marques, Ilídio e outros ilustres foi formatando o comércio e a arquitetura local. Nos anos 60 meu pai fundou o primeiro laboratório de análises clínicas e colaborou para que o bairro crescesse. Mas meu pai em sua infância gostava de brincar de bombeiro e tacava fogo no mato seco perto do laranjal do Corcundinha e vinha correndo com um carrinho de bombeiro para apagar o fogo. Desnecessário dizer que deu ruim. A casa caiu. Lambeu um ou mais morros de plantas e então ele sumiu por um tempo…Tinocão era uma das figuras do bairro e na mesma proporção que curtia sua benfazeja tarefa no laboratório, era igualmente capaz de aprontar grandes e hilariantes merdas. Um dia falo delas. E Campo Grande tinha o seu socialismo e ele se reunia no Luso Brasileiro Tênis Clube. Todas as gangues de Big iam prali. Era Miss Brotinho, Corujinha, ou campeonatos de vôlei, futebol, patinação, gincana. Havia o tênis, ciclismo e natação. Festa Junina, idealizada pelo Tinocão, claro. Pelo menos é o que ouvi…No Luso tinha de todas as tribos. E nenhuma colidia entre si. Paulo Emilio, Fernando Clodovil, Leo Kamba, Gugu, Perrota, Alexandre T & T, Júlio César Jurubeba, Macaqueira, Beto Fragoso, Antônio Edson Padilha , Có, Caveira, Piolho, Calixto, Bené e Artur Fogaréu, Artur Bolinha, Hans Paul Max Krause, Renatinho Raspatacho, Baixinho, Paulinho Meleca, Giovanni Merolla e Pietro, Dilson, Mário Taskin de Golin, Carlinhos Magal, Bekinha, os Gameleiras, João Pão Doce, Jessé e todos os Ferrys, eu, Helinho do Bis, Ricardo Tinoco, Padão, Os Baratas, Pacheco, Urso Ben, Marquinhos, Dü, Júnior, Lúcio e Luciano, os gêmeos, Gui, Cesinha e Murilo Barcell7s,Rodolfo Sampaio, Cachorrão e Fábio Guedes, os Pimentas, Pieronis e Mazzollenis, os Cabral, Morgados e Baronis. Havia Oscar no som, Chianca. Zebeto. E tantos outros coexistiam em paz e amor. Minha prima Cristiane Tinoco era a musa das musas de todo o sempre, e seu irmão Marcus Tinoco o maior boa praça da história do clube. Acontece que a nossa santidade acabava quando íamos para o Campestre em Santa Cruz. Era covardia, tipo matar índio com raios laser. A gente chegava e pronto. As meninas nos viam como semideuses. Afinal, éramos da Zona Sul da zona oeste porque a Barra era um pantanal. E naturalmente que deitávamos e rolávamos. Não sei até hoje quem projetou aquelas pilastras, mas elas resistiram às muitas cargas de piços e amassos. E foram muitos. Eu bebia anti socialmente, profissional do porre. Pior que Guto Bahiense, Calisto e Joe Lance Certo. E foi assim que quebrei minha timidez: dormia no carro de tão chapado de hifi. Com o tempo, aprendi que era melhor beber lá no Campestre e ficar bêbado só depois, evitando beber na concentração. Às vezes no Bis, outras no Curral Falso. Ou Dom Tulipa. Assim aprendi a me afastar de entorpecentes. Nunca fui usuário de drogas. Conseguia ser respeitado de careta limpa e ia aprendendo a caçar, sim, caçar pois era isso que meninos de 16, 17 anos faziam. Depois de uma noite de sucesso, La Boca Del Túnel. O famoso cachorro quente do túnel de Campo Grande e que depois mudou pro relógio do calçadão. Ali ouvi o Rush pela primeira vez no carro do Valim. E com a barriga cheia dormíamos até 10 horas porque tinha o Lourinho no Grumari. Nova concentração alcoólica para a noite. E invadíamos Itaguaí, especialmente o Ita. Em todo o tempo, era claro que muitas brigas ocorreram. Era claro que havia o Clube dos Aliados também, mas depois que saiu da Viúva Dantas perdeu seu charme. Mas as brigas nunca passaram perto de mim pois nunca brigaria, eu era praticante de Tae Kwon Do e cheguei à faixa preta. E se eu tinha percepção de que algo poderia acontecer numa eventual disputa por uma menina, eu simplesmente abria mão momentaneamente, deixava o cara se achar, e na primeira chance, falava no ouvido da moça: eu não quis fazer aposta por você. Aposta? Sim. Ele apostou que ia te dar um pega com seus amigos e eu acho que mereço dignificar sua beleza e bondade, sendo honesto e deixando você escolher entre um brigão machista que faz aposta, ou um sujeito de bons costumes. E dava meu telefone 3941896 e dizia: não se apresse… quando o cara voltava normalmente eu já tinha resolvido a parada. Daí o cerco fechava, o tempo ficava ruim mas todas as tribos de CG apareciam e sufocavam qualquer levante. Na segunda, nem lembrava o nome da moça. E o telefone não parava de tocar… Filha da putice, mas era guerra. Com a maturidade fui aprendendo técnicas diferentes e os problemas reduziram a zero. Hoje tudo isso é passado. Acabou. Não existe o Campuscão, Luso, Campestre e Ita. Nunca mais Beto, Vic e sua turma vão roubar um ônibus do motorisra mijão que se embebedou nas mãos da Gang. Patinação é passado mas ganhei de minha esposa um belo par que vou estrear com Antônio Edson. As brigas? Ah, nunca ninguém matou o outro. Mas até hoje tento entender a garrafada que Piolho deu em seu amigo Dilson Aguiar Caveira… E hoje todos são amigos saudosistas do mesmo tempo. Sentimos falta do amor coletivo que tínhamos em um bairro cujo crescimento matou a sua alma. Muitos fugiram pra Barra, Recreio mas os que verdadeiramente amam este País e iriam pra uma guerra por ele, vivem e nunca sairão daqui. É impossível eu sair daqui, minha vida foi forjada acá. Não há o que me faça mudar daqui a não ser que vá para o Sul. Ou Grécia.
Estas histórias ocorreram em outros lugares, mas meu parâmetro é CG. Aqui neste bairro estamos começando a sepultar amigos: Major, Chorão, Tinocão, Flávio Gameleira, Jorge Dib, Ilídio, Renato Raspatacho, Claudinho, Alberto Cândido, Candinho, Professor Avani Magalhães, seu Carlos, Marfydio, Ney Morgado. Morreu Preciosa, morreu Brucutu. Que merda.
O tempo é implacável, tic tac. E quem resolveu viver dignamente, anda de cabeça em pé. Eu tenho orgulho de ter sido forjado aqui, e por não ter o dever de ser rico ou sábio, mas a obrigação de ser honrado. Honra que aprendi muito nos muitos porres tomados com meu irmão, maior amigo, Ricardo Sampaio. Honra que não se perde. Campo Grande cresceu. Mas ainda é o amável Campo Grande. Grande demais para ser esquecido.
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