A confeiteira Nina Almeida, de 22 anos, vai demorar a esquecer a experiência de ter seu celular roubado. Em julho, por volta das 18h30, ela conversava com amigas na Rua Frei Leandro, no Jardim Botânico, quando um homem armado roubou os telefones do grupo. Com uma bicicleta, ele levou menos de 20 segundos para praticar o crime e fugir.
A ação, flagrada por câmeras de um restaurante, se repete cada vez mais por todos os cantos da cidade. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio, apenas nos oito primeiros meses deste ano, aconteceu, em média, um roubo de celular a cada 40 minutos na capital, ou seja, três a cada duas horas.
Considerando só os casos levados às delegacias — há subnotificação, claro —, foram assustadores 8.855 roubos, de janeiro a agosto de 2017, contra 6.280 no mesmo período do ano passado. Um salto de 41% nessa modalidade de crime.
O total de vítimas que, a exemplo de Nina, tiveram os aparelhos subtraídos é equivalente, por exemplo, à população de Comendador Levy Gasparian. A polícia nunca conseguiu recuperar o iPhone. Também não há notícia de que o roubo tenha sido investigado de fato.
A própria vítima se encarregou de rastrear o celular, que, só dez dias após o crime, parou de emitir sinais. O local: o camelódromo do Centro, na esquina da Rua Uruguaiana com a Avenida Presidente Vargas. Ao que tudo indica, o aparelho foi negociado ali pelo ladrão, provavelmente com receptadores que atuam na região. Há uma rede criminosa que desmonta os aparelhos para vender peças separadamente. Uma atividade que cresce à medida que falta fiscalização.
— Antes da Uruguaiana, o celular passou por Botafogo, próximo ao metrô. Com um mínimo de investigação, poderia ter sido recuperado, e o ladrão, preso — lamenta Nina Almeida.
Obtidos com exclusividade pelo EXTRA, via Lei de Acesso à Informação, microdados do ISP sobre roubos e furtos de celulares indicam que o Centro do Rio, onde fica o Camelódromo da Uruguaiana, é o bairro mais crítico do estado. Um a cada dez furtos de aparelhos telefônicos acontece nessa região da capital, que ocupa menos de 0,5% do território da cidade.
O Centro também aparece no topo da lista de áreas com mais roubos, seguido por bairros das zonas Norte e Oeste: Bangu, Madureira, Campo Grande e Tijuca, respectivamente. Enquanto os assaltantes agem mais à noite — período do dia que concentra mais de 40% dos roubos —, os furtos acontecem mais à tarde, com 34% das ocorrências. Os furtos apresentam ainda ligeira alta aos fins de semana, que, por outro lado, têm o menor número de roubos do tipo.
Os dados apontam também para um aumento de 27% nos roubos de celular, no estado do Rio, no primeiro semestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2016: um salto de 8.686 para 11.030 registros. Se somados aos 6.874 furtos de aparelhos ocorridos de janeiro a junho, é como se um celular fosse levado por bandidos a cada 15 minutos. Ou, ainda, como se cem telefones subtraídos de seus donos abastecessem o mercado negro diariamente.
Medo de assalto cresceu
Doutora em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maria Isabel Couto afirma que, após um período de relativa melhoria e estabilidade nos indicadores de segurança no estado, sobretudo na capital, a população fluminense e carioca volta a experimentar uma escalada da violência. Sobre os roubos e furtos de celulares, ela lembra uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (FGV), que tratou da percepção de insegurança e medo nas redes sociais.
— Roubos e tiros foram os fenômenos de medo especificamente mais identificados, com participação em 19% e 12% do debate, respectivamente. Mas o “medo de perder o aparelho celular” apareceu em 3% do debate — descreve Maria Isabel, acrescentando que esse dado pode ter muitas explicações.
Uma delas, segundo a socióloga, é a disseminação e a democratização do uso de smartphones, que servem não apenas como meio de comunicação, mas também como instrumentos para lidar com tarefas cotidianas.
— A perda do aparelho tem mais impactos que a perda financeira ou a dificuldade de comunicação por algumas horas — diz, acrescentando que, do ponto de vista do risco, há vantagens para o criminoso: — A necessidade de planejamento para roubar e repassar é quase nula.
‘Feiras livres’
Na última semana, repórteres do EXTRA foram a pontos de comércio ilegal, à vista da polícia: lojas e calçadas no camelódromo da Uruguaiana, boxes em shoppings na Rua do Rosário e na Avenida Rio Branco. Nesses locais, há “feiras livres” de aparelhos roubados, de celulares piratas (cópias perfeitas de marcas famosas) e de acessórios.
Os “funcionários” da rede de receptadores oferecem equipamentos nas caixas. Um deles, depois de desaparecer em meio aos boxes da Uruguaiana, voltou com modelos de várias marcas. Um smartphone que não sai por menos de R$ 2.800 numa loja legal pode ser adquirido por R$ 350, oito vezes menos. “Vem com todos os acessórios”, diz o homem, que dá até garantia.
Segundo o inspetor Fábio Craveiro, chefe do Setor de Investigações da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas, traficantes estão migrando para o roubo de celulares. Investigações iniciadas em 2014 identificaram 250 pessoas envolvidas nesses crimes, das quais 90 foram presas. Em três anos, foram 700 roubos de celulares em lojas, com prejuízo estimado em R$ 40 milhões.
FONTE: JORNAL EXTRA