UM RETRATO DO BRT CARIOCA
Bate 17h20 no relógio. O famoso horário de pico. As filas quilométricas já vão surgindo. O BRT vazio se aproxima e, num instante, a fila que antes sugeria uma certa “organização” dá lugar a um grande tumulto que se concentra na frente das portas de entrada. O empurra empurra trava o início de uma batalha: a corrida para conseguir um lugar vazio. As portas se abrem e é dada a largada. Nessa hora, é cada um por si, meu amigo. A seleção natural darwinista nunca teve tanto significado: só os mais bem preparados sobrevivem. O fluxo de uma das portas de entrada do BRT de repente parou. “É pra hoje, hein!”, um desavisado começa a gritar. “Ainda tem gente querendo entrar, dá para dar passagem ou tá difícil?”, o de trás completa. “Alguém caiu, meu Deus! Alguém socorre o homem, gente! Quebrou a perna… Ele quebrou a perna!!!”, os da frente diziam assustados.
Depois de dois minutos de confusão, consegui entender o que de fato havia ocorrido: um homem, cujo rosto não consegui ver, foi empurrado com tamanha violência que caiu no vão entre o BRT e a plataforma. Resultado? Quebrou a perna. Diante dessa tragédia observo as pessoas ao redor. Algumas reclamavam do atraso por causa do acidente, outras aconselhavam o homem a permanecer dentro do ônibus, pois, segundo elas, se ele saísse perderia uma “grana preta” de indenização. Diante da preocupação pela vida que foi colocada em risco, a voz que sobrepujava a multidão era uma voz que olhava só para interesses. Raros foram os que perguntaram sobre a saúde do acidentado. A cena trágica não assombrava mais as pessoas, era como se esse acontecimento fizesse tanto parte da rotina que se tornou ordinário, comum. “Semana passada foi comigo, mas graças a Deus não aconteceu o pior”, disse a moça ao meu lado. Os minutos iam passando e a paciência da população ia se esgotando na mesma medida.
Outro BRT veio se aproximando e a população correu para mais um campo de batalha. O ônibus lotou em segundos, talvez dessa vez possa ter batido o recorde mundial em superlotação – desafiando sua capacidade de acomodar o dobro, ou melhor, o triplo do que deveria. Já não há mais espaço para se locomover. Se mexer um só pé de lugar, é capaz de outro colocar o pé no lugar do seu. As portas se fecham, o ar condicionado não dá vazão, as janelas se embaçam e o calor fica insuportável. Eu, com sintomas claustrofóbicos, já começo a ficar sem ar. Alguém tem a brilhante ideia de abrir a repartição do teto para entrar um ar fresco no ônibus. A ideia foi excelente até certo ponto, pois logo começou a chover lá dentro.
A chuva revelou diversas goteiras no teto no BRT. As pessoas, amontoadas umas sobre as outras, sem ter espaço direito para pôr o próprio pé, agora tinham que lidar também com as goteiras sob suas cabeças. Um passageiro insatisfeito abriu o guarda-chuva, sim, abriu o guarda-chuva dentro do BRT (!!!). E assim foi a viagem de 55 minutos. Ao descer, veio o alívio de sentir as pernas novamente e de esticar os braços para aliviar a dormência por estar na mesma posição por quase uma hora. O jeito é fechar os olhos e respirar bem fundo, porque amanhã tem mais. Afinal, essa é a rotina do BRT carioca. Um retrato fiel do descaso com a mobilidade urbana do Rio de Janeiro.
Texto: Guaratiba em foco