por Andre Belfort Maria
Presos mesmo depois de declarados inocentes…
Os cento e trinta e nove
A polícia chegou na festa na madrugada de 7 de abril. Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, de onde as milícias partiram, em meados dos anos 1990, pra dominar a cidade.
Mataram quatro pessoas ainda do lado de fora. Ao entrar, mandaram todas as mulheres embora, ordenaram que os homens deitassem no chão, de bruços e sem camisa. Poucas horas depois, imagens de ônibus cheios de jovens tranquilos e sem algemas já estavam nos jornais matinais de TV. Sem qualquer questionamento. À noite, foi destaque no Jornal Nacional: “Bandidos que fazem parte da principal milícia do Rio aproveitavam a noite em um sítio, em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade.”
159 presos. 148 réus primários. 8 menores. Uma pessoa identificada pelos moradores como deficiente mental.
O mais perto que a acusação chegou foi mostrar passagem pela polícia de 11 deles.
Isso mesmo: uma prisão em massa em uma festa – promovida por uma estação de rádio, com ingresso, anúncio nas redes, pulseirinha – no Brasil de 2018.
A própria delegacia que os prendeu reconheceu formalmente que 139 presos não têm “participação em grupo criminoso, especialmente em milícias ou correlatas”. Elas continuam presas.
Até a semana passada, dezenas não tinham advogados. As que conseguiam estavam vendendo bens pessoais pra pagar – “bens de pobre, televisão, bicicleta essas coisas”, me disse uma pessoa. As famílias estão dispersas; não há um líder claro; algumas apenas estão “orando e pedindo a deus”. É o Brasil em estado bruto.
Tem uma coisa particularmente revoltante: muitos familiares defendem os seus dizendo que “são trabalhadores”. Voltamos ao tempo em que, pra provar inocência, a pessoa precisa mostrar carteira de trabalho assinada – no país em que a carteira assinada anda fora de moda. Como se apenas o capitalismo fosse capaz de dar cidadania a alguém.
No Rio de Janeiro desses dias, quem comanda a Secretaria de Segurança Pública é um general do Exército. O mesmo general que disse em coletiva, depois das prisões, que essa é a “mais exitosa operação da intervenção”. A intervenção é realmente um êxito espantoso.