Os antibióticos revolucionaram a maneira como tratamos infecções. Desde que o bacteriologista escocês Alexander Fleming descobriu a penicilina, em 1925, esses remédios vêm desempenhando um papel fundamental no combate às infecções causadas por bactérias.
No entanto, o uso indiscriminado passou a preocupar as autoridades mundiais de saúde, pois, quando um antibiótico é utilizado, as bactérias que ele combate podem se tornar resistentes ao tratamento.
Um relatório encomendado pelo governo britânico estima a morte de 10 milhões de pessoas por resistência bacteriana até 2050, ultrapassando as mortes por câncer e diabetes, caso nenhuma medida de combate à resistência bacteriana seja instituída.
Seja dentro de casa (sob prescrição médica) ou no ambiente hospitalar, o uso de antibióticos e a resistência bacteriana ainda causa questionamentos. Por isso, a coordenadora do Comitê de Resistência Antimicrobiana da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Ana Gales, esclarece as principais dúvidas sobre o assunto. Veja a seguir:
Qual é a função dos antibióticos e por que sua invenção representa um marco na história da humanidade?
Ana Gales: os antibióticos são substâncias capazes de matar bactérias — microrganismos que causam infecções. Algumas dessas infecções são graves e podem levar à morte. O uso desses medicamentos evita consequências mais graves. Antes dos antibióticos, algumas infecções, como a meningite bacteriana e a pneumonia bacteriana, tinham altas taxas de mortalidade, que foram reduzidas consideravelmente
O que são as chamadas “superbactérias”?
Ana Gales: nem sempre as superbactérias são as mais mortais. O que acontece é que elas carregam consigo muitos genes de resistência. Dessa maneira, há poucas opções terapêuticas para combatê-las, o que não significa uma sentença de morte, e sim uma dificuldade maior de encontrar o tratamento mais adequado
Quais são os riscos da resistência bacteriana?
Ana Gales: o principal risco da resistência bacteriana é a redução do número de opções disponíveis para tratar as infecções
Muito se fala sobre a relação do uso inadequado de antibióticos e o aumento da resistência bacteriana. Como isso acontece e o que pode ser feito para evitar o problema?
Ana Gales: a bactéria resistente já existe na natureza. Quando utilizamos um antibiótico, involuntariamente favorecemos seu crescimento, porque o tratamento atinge as bactérias mais sensíveis dando espaço e condições para que as remanescentes (mais resistentes) cresçam e se multipliquem.
A chave para frear o crescimento das bactérias resistentes é evitar o uso de antibióticos, não só em humanos, mas na criação de animais, de desinfetantes e de metais pesados que têm ação antimicrobiana e podem favorecer a resistência bacteriana
O que define o uso inadequado dos antibióticos?
Ana Gales: primeiro devemos definir o que é considerado adequado. Quando falamos em uso adequado, estamos falando daquele feito de acordo com o resultado do antibiograma, que é o teste realizado em laboratório para saber se a bactéria é sensível ao antibiótico ou não. Com isso estabelecido, a dose correta deve ser prescrita pelo período apropriado de tempo. No caso de infecções mais graves, a aplicação deve acontecer o mais rápido possível
Existe algum risco de se tomar antibióticos prolongadamente? Quanto mais eu tomo um antibiótico, menos efeito ele faz?
Ana Gales: nesse caso, maior é a chance de ter uma mudança no equilíbrio da microbiota (bactérias naturalmente presentes no corpo). Existem algumas bactérias no organismo humano cuja função é proteção. Quando tomamos um antibiótico de maneira inadequada podemos matar as bactérias “boas” e dar espaço para bactérias não habituais aparecerem, sobreviverem e se multiplicarem
Por que não conseguimos mais comprar antibióticos sem receita?
Ana Gales: o uso de antibióticos sempre foi condicionado à prescrição médica, mas, desde outubro de 2010, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passou a exigir a retenção de receita para a compra de antibióticos. Isso aconteceu devido ao reconhecimento de que a resistência bacteriana ao antibiótico é um grave problema de saúde pública
Por que alguns antibióticos devem ser tomados de 6h em 6h, outros de 8h em 8h e outros de 12h em 12h?
Ana Gales: a dose de um antibiótico varia de acordo com o tempo que cada um leva para sua concentração ser reduzida no sangue. Se eu tomar um antibiótico via oral, ele vai ser absorvido e passar para o sangue. Dependendo do tempo que demora para sua concentração cair no sangue — o que varia de medicamento para medicamento — haverá a metabolização e depois a excreção. Em linguagem clínica, o intervalo de doses é estabelecido pela meia-vida do antibiótico
Houve queda nos índices de uso de antibióticos no país desde a implementação da medida em 2010?
Ana Gales: sabemos que houve uma queda no uso de antibióticos pela população — que geralmente não são os mesmos prescritos no ambiente hospitalar. Enquanto que, na maioria dos casos, são prescritos medicamentos orais para o público geral, geralmente são utilizados antibióticos de outros grupos, mais fortes e de administração intravenosa no ambiente hospitalar.
A questão é que a redução do uso de antimicrobianos terá resultados visíveis em longo prazo. Porém, outros fatores interferem na resistência. O uso de antibióticos em animais de criação (pecuária, suinocultura, avicultura, piscicultura) e agricultura — também influencia na taxa de resistência. Aliás, 70% dos antimicrobianos são de uso veterinário e não humano
Qual é o risco de tratar um paciente com antibiótico sem que haja a real necessidade de utilizá-lo?
Ana Gales: oantibiótico pode salvar muitas vidas, realmente, mas é muito utilizado erroneamente em casos de doenças respiratórias virais. As pessoas têm a impressão de que um antibiótico pode, por exemplo, evitar que uma gripe se transforme em pneumonia e pressionam o médico pela prescrição. Não adianta tomar um antibiótico se não houver infecção bacteriana, pois caso haja uma posteriormente, o quadro pode se agravar ou haverá infecção por uma bactéria pouco comum ou já resistente aos medicamentos mais indicados para o tratamento
Há novos antibióticos sendo pesquisados para ajudar a conter a resistência bacteriana?
Ana Gales: Algumas companhias farmacêuticas estão enfrentando o desafio de desenvolver novos medicamentos eficazes no tratamento das bactérias multiresistentes. Uma delas está tentando produzir um antibiótico que une de forma inédita os princípios ativos ceftolozana e tazobactam. O produto é indicado para tratar infecções intra-abdominais e das vias urinárias complicadas, causadas por Pseudômonas resistentes a carbapenêmicos como as Pseudomonas aeruginosa. Essas bactérias estão na lista de prioridade divulgada pela OMS (Organização Mundial da Saúde)
FONTE: R7