Em março deste ano, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, pediu à entăo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, que colocasse em pauta o processo que trata da descriminalizaçăo de usuários de drogas. Assim, a Corte poderia estabelecer uma quantidade mínima para o porte deste tipo de substância. A justificativa é reduzir o encarceramento de pequenos infratores sem antecedentes criminais, vide o problema de superlotaçăo das penitenciárias brasileiras.
Na época, o relator, ministro Gilmar Mendes, votou a favor da descriminalizaçăo. Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também acataram o recurso, mas restringiram o voto à maconha. É o novo presidente do Supremo, Dias Toffoli, que deve decidir se pauta o assunto no futuro ou năo. Mas a tendência é que o ministro evite discutir pautas polêmicas neste ano.
Para o criminalista Thiago Turbay, o Supremo deveria se limitar a incentivar o Legislativo em pautas com tipos penais. “O que eu acho é que o Congresso experimenta legislaturas cada vez mais retrógradas, com isso, as matérias năo avançam. Essa falta faz com que o STF seja um motor para descriminalizaçăo de condutas”, opinou o especialista. “Mas, ainda assim, acho temeroso o STF assumir essa postura”, completou.
A legalizaçăo foi uma das promessas de campanha de Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense, cumprida três anos depois das eleiçőes no país. O Canadá agora é o segundo lugar do mundo que legalizou a maconha para fins recreativos. O primeiro foi o Uruguai, em 2013.
No Brasil, a discussăo chegou à Câmara dos Deputados em 2014, após um projeto de lei do entăo deputado federal Eurico Júnior (PV), candidato a estadual pelo Rio de Janeiro em 2018 e năo eleito. O texto dispőe sobre o controle, plantaçăo, cultivo, colheita, produçăo, aquisiçăo, armazenamento, comercializaçăo e distribuiçăo da cannabis e derivados. Apensados a ele, no entanto, há outros sete projetos de lei que tratam do assunto, inclusive o PL nº 10.549, do deputado Paulo Teixeira (PR-SP), apresentado no plenário da Câmara em julho deste ano, que pede a descriminalizaçăo nos moldes do Uruguai. Todos, porém, aguardam a criaçăo de uma comissăo especial que vai analisar o assunto.
De acordo com Turbay, o desafio é que o Legislativo tende a julgar pelo “calor das massas”. “Alguns movimentos sociais têm sido prevalecentes no Congresso. Agora é o espelho da nossa sociedade. Nossa democracia. E essa próxima legislatura tem grande chance de ser ainda mais conservadora”, comentou.
Ao redor do mundo
Apesar de năo interferir diretamente, a discussăo no Canadá pode incentivar para que a pauta volte a ser discutida no Brasil. “A descriminalizaçăo transparente motiva a evoluçăo social, mas năo é isso que o Congresso tem representado. O fato de outros países tomarem essas decisőes, e mostrem os impactos positivos na segurança e na saúde pode até inspirar o Brasil. Mas, eu năo enxergo esse cenário”, afirmou Turbay.
De acordo com uma cartilha desenvolvida pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), desde os anos 1970, os países europeus têm discutido a política de drogas no continente. Na Holanda, a venda e o consumo de maconha năo é criminalizado desde 1973, mas o país também năo regulou o tema.
Em 2001, Portugal descriminalizou o uso de todas as substância proibidas pelas convençőes internacionais de controle de drogas. Aos usuários de qualquer uma delas, seja maconha ou heroína, é permitida a posse para uso pessoal de até 10 doses da substância. Cada dose foi quantificada para servir de referência para agentes de segurança e de saúde. Os consumidores pegos com essas substâncias săo cadastrados e a eles pode ser aplicada uma multa.
Nos Estados Unidos, 23 estados legalizaram o consumo da maconha para fins terapêuticos. Em 2014, Colorado, Washington, Distrito de Columbia e Oregon regularizaram o mercado para consumo recreativo.
No Uruguai, o próprio governo é o responsável pelo cultivo e distribuiçăo de maconha, cujo consumo é limitado a 40 gramas mensais e restrito a maiores de 18 anos. O país também permite o cultivo de um número limitado de plantas para consumo próprio mediante cadastro junto ao governo.