“Eu cheguei a um quadro alguns meses atrás que parecia que viver ou morrer era a mesma coisa. Perdi a vontade, a perspectiva foi a zero. Mas quando tenho esses pensamentos, eu lembro do meu pai que está com 88 anos e vai precisar muito de mim ainda. Nós morávamos a 10 metros de distância. Hoje ele está em outra casa, e eu estou a dois quilômetros dele. Ele chora por causa dessa situaçăo e aquilo corta o coraçăo da gente.”
Romeu disse que só melhorou depois de procurar apoio profissional. “Eu sou muito calado, năo tenho aquela iniciativa de procurar alguém para desabafar. E acabo segurando para mim. Mas chegou um ponto que eu năo estava aguentando. E o atendimento psicológico tem me ajudado demais”, relata.
Estudo
Em abril deste ano, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgou um estudo sobre a saúde mental dos atingidos na tragédia. O levantamento mostrou que quase 30% deles sofrem com depressăo. O percentual é cinco vezes superior ao constatado na populaçăo do país. Segundo a Organizaçăo Mundial de Saúde (OMS), em 2015, 5,8% dos brasileiros tinham depressăo.
Os resultados do estudo apontaram ainda para o diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada em 32% dos entrevistados, prevalência três vezes maior que a existente na populaçăo brasileira. Índices preocupantes também foram constatados em relaçăo ao risco de suicídio e ao uso de substâncias psicotrópicas, como álcool, tabaco, maconha, crack, cocaína.
O estudo foi conduzido em parceria com a Cáritas, entidade escolhida pelos atingidos que moram em Mariana para prestar assessoria técnica no processo de reparaçăo.
“O ócio é muito triste. As pessoas estăo em um processo de adoecimento porque, na cidade, o modo de vida é completamente alterado. E além de terem perdido suas atividades cotidianas, os vizinhos năo se encontram mais. Drogadiçăo, alcoolismo, depressăo. Algumas situaçőes já existiam na comunidade, mas foram aguçadas após o rompimento da barragem”, diz Ana Paula dos Santos Alves, assessora técnica da Cáritas.
Problemas de saúde
Em Gesteira, distrito de Barra Longa (MG), a situaçăo năo é diferente. A lama que alcançou a comunidade através do Rio Gualaxo do Norte também trouxe impactos para além da destruiçăo das casas. “Subiu a pressăo, começou a ter problema no coraçăo, está tomando um punhado de remédios”, conta Pedro Estevăo da Silva, 54 anos, sobre sua măe, que perdeu o lote onde tinha uma horta.
Antônio Marcos da Costa também está lidando com as complicaçőes na saúde de sua măe. “Ela já morava na parte alta de Gesteira, que năo foi afetada, mas tinha uma relaçăo muito forte com a casa onde eu morava, que tinha sido dos meus avós. Ela ia lá todos os dias, ajudava a cuidar da casa e do meu tio, que morava comigo e tem problemas mentais. Ela acabou tendo um problema de depressăo muito forte. E até hoje năo foi reconhecida como atingida”.
Atualmente, a măe de Antônio Marcos, de 50 anos, toma seis medicamentos diferentes e faz acompanhamento com psiquiatra particular que a atende regularmente em Ponte Nova (MG). O apoio profissional permitiu uma melhora. Segundo Antônio, as consultas tem custado R$ 350 por mês e ainda há os gastos com o transporte até o município vizinho.
“Acho que ela é até mais atingida do que eu. Eu perdi a casa, mas a saúde vem antes das questőes materiais”, diz.
A organizaçăo escolhida pelos atingidos de Gesteira para oferecer assistência técnica, Aedas, garantiu a Antônio Marcos que irá atuar pelo reconhecimento de sua măe como um dos atingidos, o que lhe garantirá tratamento e indenizaçăo.
Saúde mental
Em Mariana, a psicóloga Maíra Almeida Carvalho é uma das profissionais que vem atuando exclusivamente com os atingidos que sofreram deslocamento forçado dos distritos para a área urbana do município. Ela foi contratada pela Secretaria Municipal de Saúde em janeiro de 2016, três meses após o rompimento da barragem. O salário é pago pela Fundaçăo Renova, que firmou um compromisso judicial de suplementar os serviços de saúde pública em Mariana e em Barra Longa.
Segundo Maíra, atuam na equipe 10 profissionais, incluindo psiquiatra, assistente social, arte terapeuta, psicólogo e terapeuta ocupacional. Eles acompanham cerca de 350 famílias.
“Há uma reavaliaçăo contante junto à Secretaria Municipal de Saúde sobre a necessidade de novas contrataçőes. Atualmente é a equipe que temos e que tem dado conta de atender as demandas”, diz.
De acordo com Maíra, a atençăo profissional será necessária mesmo após o reassentamento.
A psicóloga relata que processos de adoecimento foram agravados nos períodos de maior desesperança. Ela também destaca que a saúde mental dos atingidos sofre o impacto dos conflitos familiares, das rupturas, dos processos de separaçăo, e das divergências no processo de reassentamento.
“Há um sofrimento relacionado com esse processo de adaptaçăo, com a espera pelo reassentamento, com o tempo prolongado envolvendo as negociaçőes. Alguns estăo diretamente envolvidos na luta pela garantia de direitos. É uma rotina de muitas reuniőes e compromissos, o que é cansativo”, avalia.
Na visăo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a questăo merece ainda mais atençăo. “Ajuizamos há cerca de 4 meses uma açăo especificamente sobre saúde dos atingidos. Temos audiência marcada para o dia 8 de novembro. Esperamos chegar a um acordo, mas se năo houver, mais a frente, o juiz terá que julgar”, diz o promotor Guilherme Meneghin. Segundo ele, a equipe designada está sendo insuficiente e a Fundaçăo Renova precisa ampliar os repasses ao município para novas contrataçőes.
Além do medicamento
Para a diretora-executiva de engajamento, participaçăo e desenvolvimento institucional da Fundaçăo Renova, Andrea Aguiar Azevedo, além da suplementaçăo na saúde pública dos municípios, é preciso buscar soluçőes para além dos medicamentos.
“Estamos atuando, por exemplo, através da oferta de trabalho e da socializaçăo nos espaços de convívio, como a Casa do Saber, onde os atingidos de Mariana têm a chave, podem ir lá fazer festas, reuniőes, cursos, cerimônias”, relata.
José do Nascimento de Jesus, conhecido como Zezinho do Bento, acredita que o melhor remédio é a casa pronta. Em sua opiniăo, os atrasos no reassentamento geraram desconfiança e estăo diretamente ligados a alguns casos de depressăo.
Aos 73 anos, ele é presidente da Associaçăo Comunitária de Bento Rodrigues e tem feito o esforço de ir todos os dias à obra. A reconstruçăo do distrito, cuja conclusăo era prevista inicialmente para o início do ano que vem, começou apenas em julho deste ano. A entrega está estimada para agosto de 2020.
“Se você ficar dentro de casa, a tendência é a depressăo mesmo. Eu tento motivar as pessoas. Na semana passada, trouxe uma senhora de 80 anos. Ela ficou satisfeita e voltou segura de que a casa dela vai sair. Acho que é um caso a menos de depressăo”, diz Zezinho do Bento.