Quando menstruou pela primeira vez, aos 11 anos, a brasiliense Paula Lemos sentiu muita dor. A adolescência passou, a vida adulta chegou e a sensação não mudava. Ao contrário, ficava pior. A estudante sentia tanto desconforto que vomitava, tinha diarreia, fluxo intenso e chegava até a desmaiar. “Meu corpo apagava, precisava pegar atestado de uma semana”, lembra a mestranda, hoje, com 28 anos. Nenhum remédio fazia efeito e os médicos achavam o sofrimento “normal”.
Paula foi demitida de três estágios por conta das ausências mensais. Demorou oito anos para terminar a faculdade. Os amigos também não compreendiam a falta em aniversários e encontros. Acreditavam ser moleza ou uma desculpa qualquer. A reação é comum. Os homens não entendem a dor, as mulheres que não sofrem com cólicas muito fortes comparam o sofrimento ao próprio e todos concordam: parece frescura.
Apenas aos 26 anos, a estudante recebeu o diagnóstico: endometriose. O tratamento tradicional com anticoncepcional não funcionou e, um ano depois, mesmo não tendo filhos, Paula submeteu-se a uma histerectomia. Retirou o útero na esperança da dor passar e viver uma rotina normal.
O desconforto durante a menstruação é pessoal. Como cada mulher tem um limiar de dor, fica difícil quantificar ou comparar a aflição. Segundo uma pesquisa do Ibope Inteligência, 76% das brasileiras sofrem de cólica e 80% delas considera que a qualidade de vida diminui muito durante o fluxo. Para alertar a população sobre essa situação, ginecologistas definiram março como o Mês Mundial da Conscientização da Endometriose.
Existe um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados sugerindo três dias de afastamento do trabalho durante o período menstrual. De acordo com o deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), a produtividade das mulheres cai por conta da cólica e dos sintomas associados à indisposição. As horas perdidas, entretanto, deveriam ser compensadas em outro momento para evitar prejuízos às empresas.
STELA WOO/METRÓPOLES
O sofrimento pode variar entre um leve desconforto e uma dor incapacitante, provocando a necessidade de ausências no trabalho ou na escola. Porém, a cólica que merece atenção extra é chamada de dismenorreia secundária. Ela ganha este nome quando se encontra uma causa: pólipos, alguns tipos de mioma, processo inflamatório pélvico, doença sexualmente transmissível e endometriose, por exemplo.
“Nesses casos, a dor frequentemente traz impacto negativo para a qualidade de vida da paciente. Ela pode vir associada a outros sintomas como vômitos, náuseas, cefaleia, diarreia, desconforto na lombar ou com irradiação para as pernas. E, na maioria das vezes, aparece acompanhada de sangramento uterino anormal”, explica a ginecologista Valéria Leal Mathias, membro da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal.
Segundo a médica, se a cólica for normal, o tratamento está relacionado ao impacto dos sintomas na vida da paciente. Algumas mulheres sentem alívio só em entender a fisiopatologia da dor, enquanto outras precisam de medicamentos anti-inflamatórios para bloquear a produção de prostaglandina ou contraceptivos para evitar a ovulação. “Há também pacientes que adotam terapias não medicamentosas, como acupuntura e atividade física”, afirma.
A endometriose
“Cerca de 80% das mulheres com endometriose têm cólicas fortes e incapacitantes. Além disso, muitas têm problemas para engravidar”, explica o ginecologista e presidente da comissão de Endometriose da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Sérgio Podgaec.
Quem sofre com essa condição tem pedaços do endométrio, parte interna do útero que descama formando a menstruação, fora do órgão. As células migram no sentido oposto do comum e acabam caindo nos ovários ou na cavidade abdominal, onde multiplicam-se e sangram. Podem fixar-se na região pélvica, tubas uterinas, ovários, bexiga, intestino e em outras partes do organismo.
Pacientes com endometriose podem ter menstruação de até sete dias e em fluxo maior do que o usual. Além disso, o sangue desce coagulado e mais escuro. “A doença maltrata muito. O diagnóstico chega a demorar seis anos após o início dos sintomas devido à ausência de alterações nos exames de imagem na sua fase inicial”, afirma Valéria.
Por isso, se você sente cólicas fortes e definiria a dor como sendo de intensidade sete, no mínimo, em uma escala de zero a dez, ou se a menstruação atrapalha muito o dia a dia e é responsável por visitas ao pronto-socorro ou faltas no trabalho ou escola, procure um especialista para identificar a causa.