Pelas redes sociais, motoristas Uber negociam contas que permitem dirigir sem cadastrar dados pessoais verdadeiros do condutor, como CPF, RG e Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no aplicativo. O negociador contatado pelo Extrapauta pede somente uma foto 3×4 para vender, no valor de R$ 350, um cadastro na plataforma. Quem deseja dirigir pelo app sem fazer um cadastro também consegue alugar uma conta e se passar por um outro motorista já registrado.
A prática de alugar um carro para dirigir pela Uber é comum e não há nada de errado nela. No caso do Uber Black, os motoristas também conseguem vincular outros condutores — que já estão devidamente cadastrados como parceiros no aplicativo — às suas próprias contas. Em ambos os casos, tanto os dados de todos motoristas envolvidos quanto dos veículos são verdadeiros e estão registrados no aplicativo. Não há perigo para o passageiro.
Mas o que o Extrapauta descobriu foi diferente disso: a possibilidade de fraudar o cadastramento dos motoristas, que conseguem driblar a peneira da Uber e se registrar com dados falsos. O cadastro para dirigir pela Uber é completamente gratuito. Então: o que leva alguém a buscar a via escusa? Provavelmente não possuir a observação de atividade remunerada na CNH; ter sido bloqueado pelo app por mau uso do sistema ou agressão a um passageiro; ou sequer ter sido aceito como condutor. Pior: conter antecedentes criminais que inviabilizem o cadastro.
Os anúncios para alugar ou vender uma conta Uber são abundantes e fáceis de localizar no Facebook. Basta digitar “aluguel + conta + uber” para encontrar ofertas em praticamente todos os estados brasileiros, inclusive no Distrito Federal. Contatado pelo Extrapauta, um homem que também é motorista Uber diz que faz uma conta no aplicativo utilizando somente uma foto do condutor, mas com outro nome. Ele mesmo já dirige com dados falsos há 9 meses sem nunca ter sido flagrado.
Outro contato diz que aluga a própria conta Uber. No áudio, ele pergunta ao motorista como ele “quer fazer o bagulho”, que tem que ser “bagulho de homem, pô”. “Não vem com molecagem pro meu lado, não, parceiro. Eu não vejo nenhum problema. Você não consegue mudar a senha [de acesso ao aplicativo] porque tem que entrar no meu e-mail para confirmação…vê aí como você quer fazer e manda a proposta”. Mais adianta, ele fixa o valor do aluguel em R$ 150 semanais.
“É o seguinte. Eu devo um boleto lá de R$200, que é o de cartão. Você vai ter que pagar e a gente desconta nas primeiras duas semanas se der certo. Entendeu? Para alterar para sua conta, para o dinheiro cair na sua conta…ou então o dinheiro cai na minha conta…toda quinzena o dinheiro vai cair na minha conta e eu transfiro para a sua. E já tiro o meu. Você que sabe”, propõe.
Um motorista da plataforma que pediu para não ser identificado diz que, desde janeiro de 2017, muita coisa mudou no aplicativo. “A empresa tem cruzado muito o braço em relação a qualidade do serviço. Parece que o que eles querem é entupir a cidade de motoristas sem saber a procedência”, observa. Uma das mudanças é em relação ao nada consta criminal, que não é exigido mais na realização do cadastro. O Uber informou que ele próprio realiza o levantamento.
Realizando ou não, a investigação criminal sobre o passado dos condutores deixa a desejar. Em julho, por exemplo, um passageiro foi parar da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após Edson Oliveira Ramos, então motorista Uber, acertá-lo na cabeça com um taco de baseball. Antes do ataque, Edson já respondia por outras duas tentativas de homicídio quadruplamente qualificado em Luziânia (GO).
Via assessoria de imprensa, a Uber informou que a falsificação de documentos cadastrais, se confirmada, configura violação dos termos de uso e acarreta em banimento imediato do motorista parceiro. Aos passageiros, a Uber orienta que o usuário verifique se a pessoa que está conduzindo o veículo condiz com a foto e nome do motorista que aparece no aplicativo, além de confirmar também o modelo, cor e placa do carro.
“Além disso, a Uber possui uma ferramenta para verificação de identidade em tempo real, que usa selfies para ajudar a manter a integridade da conta de motoristas parceiros. De tempos em tempos, o aplicativo pede, aleatoriamente, para que os motoristas parceiros tirem uma selfie antes de aceitar uma viagem ou de ficar on-line, para ajudar a garantir que a pessoa que está usando o aplicativo corresponde àquela da conta que temos no arquivo. Isso evita fraudes e protege as contas dos condutores de serem comprometidas”.
Embora o sistema de selfies consiga flagrar motoristas que alugaram as contas — a selfie deles não é compatível com a do verdadeiro dono do cadastro e que está registrada no sistema Uber — no caso das contas vendidas, a foto dos motoristas registrada na plataforma é verdadeira. A Uber não respondeu como procede nesses casos, especificamente.
Atividades nas redes sociais
A Uber informou que não tem poder para controlar o comportamento dos motoristas parceiros nas redes sociais. Nos mesmos grupos onde são vendidas e alugadas as contas, os condutores ridicularizam e ofendem passageiros, sobretudo os que vivem em cidades satélites, que são chamados pelos motoristas de “almas sebosas”, entre outros apelidos. A passageira Evelin Alcinete Neves, 38 anos, ficou assusta com o que viu nos grupos do Facebook. Em busca de uma renda extra, ela encontrou nas redes sociais uma fonte de informações sobre como é conduzir para o app.
“Vi os motoristas falando sobre os passageiros de cidade satélite e é como se quem morasse nas satélites fosse pior. Eu moro na satélite, mas ando pelo Plano Piloto todos os dias. Então, quando eu estou lá e chamo o Uber, viro moradora de lá?”, questiona a dona de casa de 38 anos.
Além do preconceito com as satélites, supostos parceiros da plataforma ofendem com palavrões quem se identifica como passageiro. “E ver isso me deixou apavorada. E se um dia um desses motoristas que me xingou vier me buscar na minha casa? O que ele pode fazer comigo por retaliação? Falei que iria tirar print deles e tentar memorizar para não viajar com pessoas assim”, diz Evelin.
Ela enviou um e-mail relatando as agressões à Uber, que respondeu que “este comportamento não é recorrente e muito menos permitido na plataforma Uber, e nós temos mecanismos que previnem que eles aconteçam”. “Tenha certeza de que estamos investigando isso e iremos nos esforçar para resolver esse problema”.
O posicionamento, contudo, não condiz com o que foi repassado pela assessoria de imprensa da Uber, que informou que a empresa não verifica o comportamento dos motoristas nas redes sociais por não haver vínculo empregatício. A questão é que as atividades dos parceiros nas redes sociais, inclusive as ilícitas, como a venda e aluguel de cadastros, não denunciam só o risco que os passageiros se submetem ao solicitarem um motorista que não sabem, exatamente, quem é; mas mostram também como é vulnerável e sem controle o serviço oferecido pela startup de tecnologia.