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Boa noite.
De início informo aos amigos de todas as vertentes políticas que não desmereço e não enalteço a morte de ninguém, haja vista que a morte é o ponto final daquilo que mais prezamos, aquilo que o Estado deveria cuidar, preservar, o bem maior tutelado, a vida humana. De quem quer que seja.
Mas é, no mínimo, covarde atirar a falta de Educação, Saúde, Saneamento básico e os dejetos da corrupção governamental secular em cima da Polícia.
A sociedade como um todo está muito doente do corpo e da alma. Tuberculose, sífilis, câncer, AIDS, crianças parindo crianças, drogas, depressão. E isso atinge a todos, sem distinção de cor, credo, etnia ou profissão.
Alguns dirão: “A Polícia só mata preto e pobre”. Melhor seria dizer, a Polícia, que é composta em sua imensa maioria por pretos e pobres, é obrigada a combater diuturnamente sob trevas o narcoterrorismo, onde muitos outros pretos e pobres tentam sobreviver sem sucumbir ao crime.
Os policiais não são alienígenas de um planeta distante e brotam aqui na Terra para matar pessoas. A maior parte de nós é oriunda dessas mesmas comunidades, que escolhe outro caminho – as vezes o único possível – para alcançar a liberdade daquilo que nada mais é do que uma senzala moderna.
Na Polícia, aqueles recrutas sem esperança de um mundo melhor, podem encontrar-se com os estudos não completados, com a chance de tratar-se de uma doença ou tratar um ente querido, de tirar a favela de dentro de sua própria existência e ter direito a uma vida melhor.
Enfim, é claro que lamentamos a morte da menina Ágata, e de todas as outras crianças vítimas dessa guerra… Mas não podemos ignorar nem deixar de lamentar a morte de todos os que são assassinados nessa mesma guerra, que tem milhares de vítimas nesse Estado, e nesse monte de gente, incluo os policiais, aqueles que são covardemente abatidos como animais, por criminosos que são cada vez mais bem treinados por snipers mercenários brasileiros, africanos, do Oriente Médio e que possuem armas de extrema letalidade e poder de destruição, com lunetas e mira laser. E conseguem, na escuridão das vielas, em meio às drogas, esgoto a céu aberto e desumanidade, mirar na cabeça, na coluna ou onde o colete não protege, a vida desses meninos e meninas que procuram a luz no fim do túnel, mas que só encontrarão a luz da eternidade ou as sequelas dos gravíssimos ferimentos de uma guerra covarde e assimétrica.
Alguns sabem do que estou falando, outros ignoram e outros só massacram, mas NINGUEM, NENHUM GRUPO SOCIAL ou PROFISSIONAL, tem a “honra” de ter, num cemitério localizado na Região Metropolitana, um local reservado para Policiais, onde estive no ano passado, representando o então DGS e tive a terrível missão de entregar a bandeira que cobria o caixão à mãe do Policial assassinado. Foi certamente uma das piores coisas pelas quais passei na minha vida…
Olhei ao redor e vi dezenas de lápides com os nomes e as fotos dos nossos irmãos. Fardados. Senti um frio no estômago. Me sentindo perdida e desamparada ali diante do túmulo, tive que ter forças para amparar aquela mãe, cuja vida estava em parte naquele caixão.
Horrível. Um espaço reservado para os nossos mortos. Hoje enterramos mais dois. Em 9 dias, 6 Policiais Militares mortos. Mas ninguém chora por eles, ninguém cuida das nossas feridas, somos invisíveis para o povo, números para o Estado. E o luto continua.
(Por Myriam Broitman)