Tatiana Mendes sempre esteve no comando. Da própria vida. No início da década de 1990, com dois filhos pequenos, teve que assumir o controle de casa após o marido deixar a família. Nessa época, era professora na cidade de Japeri, na Baixada Fluminense, e dava aulas particulares para complementar a renda. Até que um dia o irmão, funcionário da Comlurb, avisou que estavam abertas as inscrições para o primeiro concurso da Guarda Municipal do Rio. No início, ela relutou, não queria “fiscalizar camelôs nas ruas”. Mas decidiu topar a ideia, com o apoio do pai e de uma irmã, e acabou sendo umas das 12 candidatas selecionadas, entre 1.200 aprovados. Hoje, coleciona vitórias dentro da corporação, entre elas ser a primeira guarda a assumir o comando da instituição (o posto só havia sido ocupado por policiais militares e do sexo masculino).
A história de Tatiana vale ser contada na série de reportagens em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado neste domingo (08/03).
– Eu achava que guarda só tirava mercadoria de camelô. E, acredite, minha primeira tarefa foi cuidar do ordenamento urbano em Madureira. Eu chegava para o vendedor, me apresentava, sou a guarda Tatiana, e dizia que ele estava em local proibido, que se não saísse a fiscalização da Fazenda iria multá-lo. Conversando, conseguia tirar todos os ambulantes da rua. O nome disso é empatia, algo fundamental para um guarda municipal – conta a inspetora-geral Tatiana.
Mas, como logo descobriu, o trabalho de guarda municipal vai muito além. Após fiscalizar as ruas, atuou na sede da Prefeitura, no primeiro Grupamento de Apoio ao Turista da instituição e, convidada pelo então comandante, coronel Paulo Cesar Amendola, assumiu a recém-criada Ronda Escolar. Um trabalho de inteligência que, além de levar segurança à porta de colégios da rede municipal, trabalhava temas como prevenção às drogas e educação no trânsito.
– A ronda tinha até teatro. Conseguimos aproximar os pais das escolas. Com isso, até a violência no entorno diminuía – conta a inspetora, que ficou 15 anos à frente do projeto, um de seus orgulhos na Guarda. – Mais de 15 cidades, dentro e fora do Rio, copiaram o nosso modelo.
Evangélica, Tatiana costuma agradecer a Deus e sempre citar o nome Dele quando fala de suas conquistas na Prefeitura. E não foram poucas. Na Guarda, foi a primeira em muitas situações: como líder, subinspetora, inspetora, inspetora regional e comandante geral.
– Nunca um guarda, ainda mais mulher, havia ocupado o comando da corporação. Só policiais militares tinham assumido o cargo. Mas o prefeito (Marcelo Crivella) queria uma mulher nessa posição. Fez uma pesquisa, o Amendola me indicou e, ao consultar as pessoas, meu nome foi uma unanimidade – fala, com orgulho de sua trajetória. – Em 2016, eu me aposentei. Mas logo veio o convite e quis aceitar.
Há 26 anos na instituição, Tatiana avalia que o principal desafio de um gestor é saber lidar com as diferenças. Algo que ela diz aplicar no dia a dia, ao tratar os servidores com respeito. E diversidade é o que não falta numa tropa tão grande: são mais de 7.500 guardas, sendo cerca de 1.500 mulheres.
– O amor é a chave. A ética, a responsabilidade fazem toda a diferença – afirma.
E são esses ingredientes que ela costuma levar para trabalhos como o programa Resgate Solidário, de abordagem à população que vive nas ruas. Tatiana já faz esse tipo de atividade na sua vida particular, com amigos da igreja que frequenta.
– Eu me emociono com essas pessoas que estão lá, invisíveis, mas que podem ser recuperadas. Chego, me abaixo, fico como elas. E elas vêm, abraçam. O mais importante é dar oportunidade.
Tatiana, que se diz muito agradecida por tudo o que viveu até hoje, chora ao relembrar sua trajetória. E ela já chorou em público também. Mas afirma que as lágrimas não são sinal de fragilidade, mas de emoção.
– Isso nem me preocupa (chorar). Mulher tem sensibilidade, é mais comprometida, mais difícil de se corromper. Saio de casa às 3h todo dia. Sempre fui a primeira a chegar, até hoje.
Disciplina, um caminho para o sucesso
A disciplina sempre foi uma marca da inspetora, inclusive na época em que se preparava para o concurso da Guarda, em 1993.
– Saía de casa às 5h, deixava meus filhos dormindo para me preparar. A prova escrita era nível fundamental. Mas a prática foi terrível, subir três metros e meio de corda, corrida de 12 segundos, abdominal, flexão. Treinava na escola onde dava aula, ia para o Corpo dos Bombeiros no fim de semana aprender a subir em corda. Fiz a minha parte e passei na prova. Fico feliz porque segui os passos do meu pai. Hoje sou casada há 13 anos, tenho dois filhos, dois netos e um terceiro está a caminho. Minha família vibra junto comigo.
Como não gosta de ficar parada, Tatiana já faz planos para quando sair da Guarda. Uma terceira profissão não está descartada. Mas ela não dá pistas sobre que rumo pretende tomar.
– O amanhã não nos pertence. Persistir é importante. Só paro quando não tiver mais condições físicas.