Em sua história, o Brasil passou por alguns chamados “ciclos” econômicos, baseados em produções e/ou extrações de um determinado produto, praticamente centralizando a base econômica do país. Boa parte dos historiadores costumam considerar três grandes “ciclos” econômicos nacionais: cana-de-açúcar, mineração e café.
A cana-de-açúcar foi o primeiro grande ciclo (por mais que alguns considerem a exploração do Pau-Brasil como pioneiro), centrada numa produção denominada plantation, possuindo as seguintes características: monocultura (cultivo baseado em um só produto), produção feita em latifúndios, voltada para o mercado externo e utilização de mão de obra escrava.
Na região do Campo Grande, que se estendia além dos atuais limites do bairro, a produção de cana-de-açúcar também teve seu destaque. Com o desenvolvimento da lavoura canavieira na localidade, aproximadamente entre a segunda metade do século XVII e princípio do século XVIII, houve o crescimento e surgimento de fazendas e engenhos, com a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande chegando a apresentar, nesse período, 14 engenhos de açúcar, sendo o maior nos limites atuais do bairro.
No ano de 1797, a composição espacial e populacional do bairro era a seguinte:
Bairro de Campo Grande, ano 1797 – 14 engenhos; 357 fogos; população: 3.566; população livre: 1.562; população escrava: 2.004. Do total de escravos, 873 pertenciam a grandes proprietários. Com relação ao assunto, em Campo Grande viveu um poderoso Senhor de escravos e grande produtor de açúcar e aguardente, o Sargento-Mor Luiz Vieira Mendanha, sendo o primeiro proprietário da Fazenda do Mendanha.
É bom observar que fogos, como está citado acima, era o mesmo que família, domicílio, núcleo conjugal, casas de residência, vizinhança ou algo parecido.
Já no ano de 1824, a estatística das pessoas residentes na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande era de 530 fogos e 5.200 pessoas. (Fonte: Livro da desobriga, livro n° 15 – Visitador Presbítero Secular Luiz Pereira Duarte; Padre Antônio Roiz do Valle).
A seguir, uma lista de engenhos/fazendas na localidade de Campo Grande e adjacências.
Engenho do Viegas
|| do Mendanha
|| da Mata da Paciência
|| do Cabuçu
|| do Lamarão
|| da Piraquara
|| de Bangu
|| do Retiro
|| de Juary
|| de Inhoaíba
|| das Capoeiras
|| dos Coqueiros
|| do Rio da Prata
|| do Guandu
|| de Palmares
|| do Campinho
|| do Tingui
Nessa época, existia uma relação entre o Senhor de Engenho e o lavrador, conhecido como partidista. O partidista possuía uma obrigação de levar as canas para o engenho do Senhor, a “fábrica de açúcar”. As famílias partidistas em Campo Grande representavam um número expressivo na população da região, ajudando em muito nas produções e exportações de açúcar, aguardente, feijão, arroz, café, entre outros. Segundo dados, habitavam na região do Campo Grande, à época, cerca de 210 famílias partidistas, com algumas possuindo escravos, com cerca de 71,43% destas produzindo cana com até 3 escravos.
É essencial lembrar que o termo “exportação” mencionado refere-se às vendas para outras freguesias, e não necessariamente para outros países.
O partidista tinha uma relação talvez não tão distante dos meeiros e arrendatários no meio rural brasileiro atual, no qual o primeiro firma um acordo com o dono da terra, em que metade da produção fica com o proprietário, e outra metade com o tal meeiro, parceiro; já o arrendatário é aquele que paga uma espécie de aluguel para produzir em terras de outros proprietários.
O número de escravos em cada engenho na região do Campo Grande variava, com alguns proprietários de terras possuindo 1 escravo, como Francisco de Almeida e sua mulher Francisca Tereza, no Engenho de Piraquara, enquanto Mariano Carneiro, proprietário do Engenho/Fazenda de Inhoaíba, possuindo 154 escravos. Alguns engenhos também se destacavam com número alto de escravos, como o do Rio da Prata, com 91; o do Cabuçu, com 112, e das Capoeiras, com 88. Além de escravos, esses engenhos/fazendas também eram compostos de pequenos proprietários, agregados, entre outros.
Alguns ex-escravos tornaram-se proprietários de terra na região, com seus descendentes vindo a ser, consequentemente, proprietários de sítios e fazendas. Abaixo um registro sobre o assunto:
Livro n°1 do Juiz de Paz de Campo Grande – Arquivo da cidade do Rio de Janeiro, Códice 45.3.4, página 208 v:
“Doação que faz Pedro de Azevedo, preto forro de Nação e sua mulher Izabel Roza, preta forra de Nação, a Filizardo Alves Pinto – preto, de terras arrendadas na Fazenda do Guandu, no lugar chamado Quitungo, etc…”
Observa-se ser destacada a questão da cor da pele das pessoas, somente quando eram negras, não ocorrendo quando eram brancas. Também fazia-se referência à condição de ex-escravo.
No bairro de Inhoaíba, vizinho aos limites atuais do bairro de Campo Grande, existe um monumento a Preto Velho, inaugurado no aniversário dos 70 anos da libertação dos escravos, em 1958. Criado por Miguel Pastor, é considerado o primeiro monumento/homenagem em reconhecimento à simbologia da religião afro-brasileira, feito em espaço público.
Foto. Fonte: Carlos Eduardo de Souza
Foto. Fonte: site As histórias dos monumentos do Rio de Janeiro.
A imagem homenageia Paizinho Quincas, Joaquim Manuel da Silva, escravo muito popular na região, devido a sua moral e conduta. Segundo fontes, viveu 109 anos, falecendo em 1963. O bairro de Campo Grande também possui um posto de gasolina, localizado na Estrada do Campinho, conhecido como Posto Preto Velho.
Fontes consultadas:
FRÓES, José Nazareth, GELABERT, Odaléa Ranauro. Rumo ao Campo Grande por trolhas e caminhos. Rio de Janeiro. 2004.
Revista do arquivo geral da cidade do RJ – A Zona Oeste colonial e os mapas de população de 1797.