Em uma sessão histórica nesta quarta-feira (26), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, surpreendeu a todos ao ir na contramão da maioria da Corte e votar contra a imposição de censura na internet, defendendo com firmeza o Artigo 19 do Marco Civil da Internet e, com ele, a própria liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal.
Fachin foi o primeiro a votar na retomada do julgamento que pode redefinir as responsabilidades das plataformas digitais em relação ao conteúdo publicado por seus usuários. O foco da discussão está na possível responsabilização prévia das plataformas, o que, para muitos especialistas, abriria margem para censura ampla e irrestrita.
Mas o ministro não se curvou ao espírito da maioria e, com um voto firme, técnico e ancorado na Constituição, rejeitou a tese de que as plataformas devem ser responsabilizadas antes de uma ordem judicial específica. Fachin reafirmou que o Marco Civil da Internet — aprovado pelo Congresso em 2014 — é claro ao estabelecer que a remoção de conteúdos só deve ocorrer após decisão judicial, o que garante a liberdade de expressão sem abrir mão de mecanismos de responsabilização individual.
“É péssima a experiência que esse país teve com a moderação de conteúdos nos meios de comunicação. O que hoje parece insuficiente e merece regulação específica pode ser regulado amanhã por outros atores institucionais”, declarou Fachin, numa crítica direta aos riscos que envolvem entregar a atores estatais — qualquer que seja o governo — o poder de decidir o que pode ou não ser dito na internet.
Em seu voto, o ministro se desculpou formalmente por “dar lições”, mas fez exatamente isso: deu uma aula de constitucionalismo, prudência e responsabilidade democrática. De forma didática e firme, ele alertou os colegas da Corte sobre os riscos de se permitir uma escalada autoritária disfarçada de combate à desinformação, algo que a história recente do Brasil já demonstrou com clareza.
“A Constituição não deixa dúvidas sobre o valor central da liberdade de expressão no Estado Democrático de Direito”, afirmou, defendendo que a judicialização caso a caso é a única forma legítima de equilibrar a liberdade com a responsabilidade, sem abrir as portas para abusos.
A posição de Fachin se alinha à do ministro André Mendonça, que também já havia votado contra a tese da responsabilização automática das plataformas. Com isso, os dois ministros se tornam os únicos a discordar da proposta liderada por Alexandre de Moraes, o principal defensor da imposição de controles mais rígidos às redes sociais e serviços digitais.
O voto de Fachin expõe com ainda mais clareza a falta de pluralidade real dentro da Corte, que vem se mostrando inclinada a formar maiorias monolíticas, muitas vezes blindadas de críticas e resistentes a visões divergentes. Fachin, com seu voto solitário e fundamentado, rompe essa lógica e reabilita o papel do STF como guardião da Constituição — e não seu intérprete ideológico.
Já a ministra Cármen Lúcia, famosa pela frase “Censura nunca mais” em tempos passados, votou desta vez a favor da nova interpretação que pode abrir espaço para a censura prévia na internet. A contradição não passou despercebida, sendo lembrada com ironia nas redes sociais por diversos analistas e juristas.
No placar momentâneo, a Corte formou maioria: 8 votos a favor da responsabilização ampliada das plataformas e 2 contrários, com apenas o voto de Kassio Nunes Marques ainda pendente. Apesar de Kassio ter demonstrado, em decisões anteriores, afinidade com visões mais conservadoras sobre liberdade de expressão, seu histórico recente o mostra também alinhado à ala que prega perdão de atos escabrosos e punição de palavras — uma postura que o coloca como incógnita no desfecho do julgamento.
O que está em jogo, no fim das contas, é muito mais do que a regulação das redes. Trata-se de definir se o Brasil ainda pretende ser uma democracia baseada em direitos e garantias fundamentais, ou se abrirá caminho para um modelo de controle de conteúdo que pode ser facilmente manipulado por governos e instituições, conforme seus próprios interesses políticos.
A defesa corajosa de Fachin reforça que honestidade intelectual e respeito à Constituição não são exclusividade de uma ideologia — são pilares universais de qualquer democracia verdadeira.
Independentemente do resultado final do julgamento, o voto de Fachin já entrou para a história como um grito de resistência em meio ao avanço silencioso da censura institucionalizada.
Se o STF seguir adiante com a responsabilização prévia das plataformas, será um divisor de águas no ecossistema digital brasileiro, com impactos profundos na liberdade de expressão, na imprensa independente, na produção de conteúdo e até na atividade política. A decisão da Corte, marcada por tensões internas e críticas externas, poderá moldar o futuro do debate público no país.
Por enquanto, resta a esperança de que outros ministros se inspirem na coragem de Fachin e se lembrem de que a função do Supremo não é agradar o poder de plantão — é proteger a Constituição, mesmo quando isso significa contrariar a maioria.