Não existem palavras que descrevam a dor de uma mãe ao perder o seu filho ainda mais quando não se sabe o autor do crime. Essa realidade resume um dos sentimentos inexplicáveis de Kelly Christina da Silva, que perdeu seu filho, Kevin Pedro, na época com 23 anos, em acidente com a linha chilena que atingiu o seu pescoço enquanto trafegava de moto pela Rodovia Presidente Dutra, altura de Agostinho Porto. Dados da Fundação Brazilian Kite Club apontam que pelo menos 10 pessoas morrem por ano no Brasil vítimas de ferimentos provocados pela linha revestida com quartzo moído.
“Eu como mãe me sinto totalmente perdida, é um crime covarde. Costumo dizer que é pior do que bala perdida, porque quando há um tiroteio às pessoas ouvem e podem pelo menos tentar se esconder. A linha chilena é invisível, não há como se defender”, afirma a mãe de Kevin.
A história de Kelly também se confunde com outros relatos de mães ou parentes de pessoas vítimas do produto altamente fatal. O caso mais recente foi a morte do motociclista Marco Addieco, de 49 anos, que sofreu um corte no pescoço pela linha de uma pipa quando pilotava sua moto na Avenida Joaquim Nogueira, em Cabo Frio, Região dos Lagos. O italiano era casado com a brasileira Elen Addieco.

Já outra vítima não fatal foi no inicio do mês de fevereiro. O empresário Jair Sena, de 42 anos, sobreviveu a um leve corte em seu pescoço quando retornava de seu trabalho na Rodovia Presidente Dutra, próximo a São João de Meriti.
“Eu gostaria que as pessoas que vendem [linha chilena e cerol] tivessem consciência que elas levam o sustento a sua família, mas destrói a vida de outras. Já as pessoas que usam é preciso se conscientizar que usar cerol ou chilena não é mais uma brincadeira é um crime, que vem tirando vidas e mutilando crianças”, protesta Kelly Christina, que também perdeu seu filho em um acidente com o “cortante”.
VÍTIMAS A TODO MOMENTO
Casos como de Jair se repetem todos os dias. É o que aponta os dados colhidos pela Associação Brasileira de Motociclistas que no Brasil são mais de 100 acidentes com os produtos cortante por ano, sendo 50% causam ferimentos graves e 25% fatais. A ABRAM também estima-se que os dados atuais podem chegar a 500 acidentes.
Apesar do cerol ser comum e fabricado, geralmente, de forma caseira, a linha chilena – por conta de sua combinação de quartzo moído e óxido de alumínio que a torna quatro vezes mais potente – é considerada a brincadeira mais perigosa. Ao longo dos anos o produto, que é proibido por lei estadual tem tirado não somente vidas, mas fazendo vítimas diariamente.
Somente no mês de janeiro o Linha Verde, programa do Disque Denúncia, recebeu cerca de 72 denúncias sobre locais de comercialização e fabricação de linha chilena. Já em 2019 foram mais de 500 denúncias.
PRÁTICA É PROIBIDA POR LEI
Após muitos imbróglios para tornar a brincadeira em um ato que contraria a lei estadual, os deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovaram uma medida que pune pessoas comercializando, fabricando e até mesmo soltando pipa com materiais cortantes.
Segundo a lei, já sancionada pelo Governador, e de autoria do Deputado Márcio Gualberto (PSL), quem for flagrado nestas condições, que estabelece a determinação estadual, receberá uma multa de R$ 341,11.
ISSO NÃO É BRINCADEIRA!
O Rio de Janeiro tem uma campanha voltada para conscientização do uso dos cortantes na brincadeira de soltar pipa. O grupo “Cerol Mata: Isso não é brincadeira”, criado em 2014, surgiu no estado após o crescimento no números de vítimas, conforme explica o idealizador da campanha, Léo Ferreira.
“Em 2014, identificamos que estava ocorrendo muitos acidentes, a maioria fatais. E nos eventos com os motociclistas pedíamos que os pais repassem para seus filhos o perigo que a linha chilena e do cerol apresenta. E esses casos não aconteciam somente com os motoqueiros, mas com crianças, aves, entre outros”, afirma.
O trabalho diário dos membros da campanha vai além da conscientização. O projeto também apoia familiares e pessoas vítimas da linha chilena ou cerol. “Prestamos auxílio a mães, amigos e parentes que sofrem com a perda. Essa campanha é de todos, que na verdade é uma utilidade pública que vem salvando vidas”, enfatiza Léo.
Graças ao intenso trabalho do grupo, o Governo Estadual aprovou uma medida eficaz no combate e punição para quem vende, usa, comercializa ou fabrica esses materiais, mas segundo o idealizador da campanha é preciso ir além.
“O Estado não tem uma política pública eficaz no combate a linha chilena e cerol. A pipa é cultura, porém na situação que estamos com tantas mortes acontecendo é preciso ainda um trabalho de proximidade entre Poder Público, principalmente, nas escolas”, opina.
Fonte: o portal Eu, Rio