Nesta quarta-feira (18), a poucos metros da construção do palco principal para o Réveillon de 2025, na Praia de Copacabana, um ato silencioso chamou atenção de moradores e turistas. Em frente ao icônico Hotel Copacabana Palace, fotos de crianças mortas a tiros entre 2020 e 2024 foram exibidas em protesto contra a violência no estado do Rio de Janeiro. A iniciativa foi organizada pela ONG Rio de Paz, que desde 2007 denuncia e acompanha casos de violência letal envolvendo crianças e adolescentes.
Segundo levantamento da ONG, 48 crianças e adolescentes, com idades entre 7 meses e 14 anos, foram assassinados nos últimos quatro anos no estado. Destas, 37 (77%) perderam a vida vítimas de balas perdidas, enquanto 11 (23%) foram executadas em diferentes circunstâncias, algumas relacionadas a operações policiais. Para ilustrar a gravidade da situação, o ato também contou com a exposição de 115 bolas vermelhas espalhadas pela areia, representando os jovens mortos desde o início do monitoramento realizado pela organização.
“Estamos exatamente a uma semana do Natal, perguntando para as autoridades públicas brasileiras como será o Natal dos familiares dessas 48 crianças mortas, em sua maioria, por bala perdida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, declarou Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz, visivelmente emocionado.
Protesto com simbolismo e dor
O ato reuniu diversos elementos para impactar os transeuntes e cobrar das autoridades uma resposta à violência crescente. Uma árvore de Natal foi montada na areia com bolas decoradas por pequenas cruzes, simbolizando o luto das famílias. Ao lado, uma faixa preta questionava: “Como será o Natal das famílias dessas crianças?”.
De acordo com Costa, a maioria das vítimas era moradora de favelas e pertencente a famílias de baixa renda. Ele critica a falta de assistência do poder público às famílias enlutadas. “Essas mortes não são tratadas com a seriedade que deveriam. As investigações muitas vezes não chegam a lugar nenhum, e os familiares são abandonados à própria sorte. Muitos entram em depressão profunda, perdem a capacidade de trabalhar e vivem em um estado de agonia permanente”, disse.
O caso de Emily e Rebecca
Entre as pessoas presentes no protesto estava Lídia da Silva Moreira Santos, que vive diariamente com as marcas deixadas pela morte de sua sobrinha e de sua neta em 2020. Emily Victória da Silva, de apenas 4 anos, e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, de 7 anos, foram assassinadas a tiros enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
O dia 4 de dezembro daquele ano ainda está vívido na memória de Lídia. “Eu estava trabalhando. Cheguei em casa por volta de 20h30 e, quando desci do ônibus, ouvi um tiro. Era tão alto que parecia uma rajada. Ao atravessar a rua, vi a Emily com a cabeça estourada por um tiro de fuzil. Depois, vi a Rebecca com um tiro no peito. A dor é indescritível, é como se minha vida tivesse sido arrancada junto com elas”, relembrou, com lágrimas nos olhos.
O caso chocou o país na época, mas, como tantos outros, foi rapidamente esquecido pelo poder público e pela mídia. Lídia lamenta a ausência de justiça e o descaso das autoridades. “Até hoje, ninguém foi responsabilizado. Essas crianças tinham sonhos, tinham futuro, e nos foi tirado tudo.”
Desafios para romper o ciclo de violência
A manifestação também trouxe à tona a dificuldade em romper o ciclo de violência que afeta as áreas periféricas do estado. A ONG Rio de Paz aponta que a falta de políticas públicas voltadas para a segurança e o bem-estar da população em áreas de risco perpetua tragédias como essas.
Segundo Costa, é preciso mais do que protestos para mudar a realidade do Rio de Janeiro. “Queremos que o governo federal e o estadual assumam suas responsabilidades. Não é possível aceitar que crianças sejam assassinadas dessa forma e que os casos fiquem sem solução. Precisamos de um sistema de segurança pública que proteja os mais vulneráveis, não que os coloque ainda mais em risco.”
Impacto do protesto e perspectivas
O ato em Copacabana foi planejado para coincidir com a montagem da estrutura para uma das maiores celebrações de Réveillon do mundo. A escolha do local, altamente visível e frequentado por turistas, foi estratégica. Para a ONG, era importante levar a mensagem de luto e indignação a um público diverso, mostrando que, enquanto a cidade se prepara para comemorar a chegada de um novo ano, muitas famílias enfrentam um Natal marcado pela dor e pela ausência.
Embora os organizadores reconheçam que mudanças estruturais são difíceis e demoradas, eles esperam que atos como este gerem debate e pressão por políticas públicas eficazes. “Cada uma dessas bolas vermelhas e dessas cruzes carrega o peso de uma vida perdida e de uma família destruída. Não podemos continuar ignorando essa tragédia silenciosa que acontece diante de nossos olhos”, concluiu Costa.
O protesto em Copacabana é um lembrete do contraste gritante entre o glamour das celebrações de fim de ano e a dura realidade de famílias que ainda esperam por justiça e por um pouco de paz.