Uma pesquisa do Centro de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) — TIC Kids On-line — revela que cerca de 69% das crianças e adolescentes do Brasil, na faixa dos 9 aos 17 anos, utilizam a internet mais de uma vez por dia. No Centro-Oeste, o índice ultrapassa a média brasileira e chega a 74% — é a região em que as crianças são mais conectadas, ao lado do Sudeste, segundo o estudo.
Os dados confirmam o crescente acesso dos brasileiros aos benefícios da tecnologia, mas, ao mesmo tempo, desvendam uma nova preocupação: as ferramentas eletrônicas estão contribuindo para o aumento da miopia entre os pequenos. “É uma tendência do mundo moderno”, alerta o oftalmologista Luiz Felipe Diniz, do Hospital Brasileiro de Olhos (HBO), em Brasília.
Cerca de 20% das crianças em idade escolar, de acordo com levantamentos do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), apresentam problemas de vista. A miopia é a campeã e já é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a epidemia do século. O uso de celulares e computadores por mais de seis horas diárias, segundo Diniz, pode levar ao agravamento dessa patologia em crianças e adolescentes.
Lucas Macedo, 9 anos, sente na pele, ou melhor, nos olhos, os efeitos da tecnologia. Vidrado em smartphone, tablet e afins, ele usa óculos desde os 6 anos. A mãe do menino, a fisioterapeuta Juliana Macedo, 40, acredita que a internet atrapalhe muito. “Se deixar, as crianças ficam além da conta na frente da tela do computador e no celular. Acho que forçam demais os olhos.”
Comportamento
Juliana conta que Lucas passa horas assistindo ao YouTube. “Ele está com 3 graus de miopia no olho direito e 1,5 no esquerdo.” Na escola, ele começou a ficar em pé, perto do quadro, para conseguir anotar o que a professora escrevia. “É preciso prestar atenção nessa questão da miopia infantil”, alerta Juliana. “Pensam que a criança é inquieta e teimosa, mas, na verdade, ela está apenas em busca de um campo melhor de visão.”
Como as crianças não identificam a dificuldade para enxergar, é importante que os pais fiquem atentos ao comportamento delas. “Quando elas têm alguma dificuldade visual, costumam ter dores de cabeça, desinteresse pelo estudo e baixo desempenho escolar. Também ficam muito próximo da televisão e têm mania de franzir os olhos para enxergar”, descreve Juliana. “Caso perceba essas atitudes em seu filho, é importante procurar um oftalmologista”, recomenda.
“É muito comum, no dia a dia do consultório, descobrirmos erros de refração — que é como denominamos a miopia — em crianças que tinham problemas de aprendizagem ou comportamento na escola”, confirma o médico oftalmologista Geraldo Canto, de Curitiba. “Para evitar isso, ir ao oftalmologista no início do ano é uma grande oportunidade de começar as aulas da melhor maneira.”
Além do uso excessivo das novas tecnologias, o aumento dos casos de miopia em crianças é relacionado à falta de atividades ao ar livre. “Um mecanismo de nossa visão, chamado de acomodação, nos permite olhar objetos distantes e focar com nitidez objetos próximos. Esse foco é feito com a contração do músculo ciliar, o anel no meio do olho para visão a distância. O excesso de esforço pode gerar fatores associados ao aumento da miopia”, esclarece Canto. É o que acontece quando se força a vista ao digitar e ao assistir a vídeos em celulares e computadores.
Dicas para o dia a dia
- Fazer a criança realizar atividades em ambientes externos diariamente, por 40 minutos, no mínimo.
- Não aproximar demais dos olhos os celulares, tablets, computadores e livros — eles devem ser mantidos a 30cm da face, no mínimo.
- Não se debruçar sobre o objeto de leitura.
- Manter a tela do computador a 50cm da face, no mínimo.
- Fazer intervalos frequentes enquanto estiver utilizando esses objetos. A cada 20 minutos, retirar o olhar deles e focalizar objetos distantes, por cerca de 20 segundos.
- Uso de tablets e celulares por crianças de 2 a 5 anos não deve ultrapassar 1 hora por dia.
O que dizem os médicos
As cirurgias refrativas para correção do grau são indicadas somente depois dos 18 anos, desde que a graduação já tenha estabilizado.
Para evitar mais prejuízos à visão, a recomendação é, desde cedo, ensinar as crianças a fazerem intervalos de cinco minutos a cada hora na frente das telas.
Reduza o brilho dos monitores. Ajuste-os procurando deixar a visibilidade agradável para a vista. Não deixe o fundo muito claro nem muito escuro.
Monitores de cristal líquido cansam menos a vista do que os antigos, de tubo, pois já vêm com superfície antirreflexo e melhor definição de imagens.
Fonte: Luiz Felipe Diniz, médico oftalmologista
Quanto mais longe, melhor!
Estima-se que, até 2020, 28% da população brasileira seja míope. Até 2050, o índice pode chegar a 51%, segundo a oftalmologista Renata Bettarelo. “Hoje, a taxa no Brasil gira em torno de 11% a 36%, mas a tecnologia tem contribuído para o aumento da doença”, alerta. O problema pode ser hereditário ou adquirido.
“É uma condição em que ocorre um alongamento indesejável do diâmetro anteroposterior do globo ocular”, detalha Renata. “Isso faz com que a imagem do objeto observado se forme antes da retina e não sobre a mesma, o que gera uma imagem borrada dos objetos distantes.”
A miopia é um problema ocular em que se consegue ver perfeitamente os objetos de perto, mas as coisas mais afastadas podem aparecer desfocadas, resume o médico Luiz Felipe Diniz. A causa está relacionada a fatores genéticos e ambientais.
O pouco tempo em ambiente externo e o excesso de tempo com o olhar fixado para perto, como a exposição às telas próximas (celulares, tablets, computadores) e livros, são os fatores ambientais mais associados à doença, segundo Diniz. Estudo do National Health Service (Serviço de Saúde Britânico) confirma que passar mais tempo ao ar livre torna as pessoas menos propensas à miopia. Para especialistas, isso tem a ver com os níveis de luz.
Para evitar esse problema, a publicitária Elenice Oliveira, 31 anos, e o marido, o cineasta Márcio Moraes, 52, resolveram impor regras rígidas aos filhos. “Durante a semana, os mais novos — Anabela e Victor Hugo — ficam sem internet, e assistem à TV só depois das 16h, após terminarem o dever de casa. Como dormem às 19h, o tempo em frente à telinha é curto também”, explica.
Os mais velhos, apesar dos cuidados, não escaparam da herança genética: Lucas, de 12 anos, começou a usar óculos aos 9, e Nicolas, de 10, há dois anos e meio. Ambos têm miopia, como o pai, que depende dos óculos desde os 10. “Quando descobrimos que Lucas tinha o problema, ele já estava com 4 graus nos dois olhos. Já o Nicolas tem apenas 1 grau”, conta Elenice.
Fora do mundo real
O malefício das tecnologias, para Elenice, é mesmo o uso excessivo dos aplicativos — as crianças ficam dispersas, não interagem com o mundo real, adoecem e ficam mal-humoradas. “Tem o lado bom, mas o ruim prevalece, na minha opinião. Afeta o apetite, atrapalha o sono, substitui as brincadeiras e, claro, causa irritação nos olhos e, às vezes, dor de cabeça.”
Para prevenir a miopia e evitar que ela avance, o acompanhamento das crianças deve começar cedo, antes da alfabetização. A primeira consulta, de acordo com o oftalmologista Geraldo Canto, deve ser feita entre 6 meses e 1 ano de idade, quando já é possível verificar a existência de um grau mais elevado, diferença de visão entre os olhos, diferença de grau ou fixação do olhar.
“Desse período até ela ser capaz de se expressar sozinha, o exame é feito pela avaliação dos olhos depois de uma dilatação da pupila. A partir do momento em que a criança já consegue se comunicar e se de mostra colaborativa, começamos também a usar imagens de desenhos, números ou letras”, explica o médico.
Geraldo Canto esclarece que nem sempre é preciso usar óculos quando a criança é muito nova. “As pessoas muito jovens com graus baixos não costumam ter indicação, a não ser que exista alguma dificuldade visual ou estrabismo detectado no exame. No geral, recomendamos óculos quando elas têm miopia acima de 1,5 grau, hipermetropia acima de 3 graus e astigmatismo acima de 1,5 grau.” Lentes de contato, só mesmo em crianças maiores, sob supervisão dos pais, e acompanhamento do oftalmologista.