Gelson Henrique da Silva, de 19 anos, anda pelas brechas. Busca sempre ver o copo meio cheio e entende que o sucesso vem com muito esforço e alguma oportunidade. Morador de Campo Grande, define-se como um jovem “periférico que entrou na universidade”. E batalha para replicar isso. Então, criou, em parceria com cinco amigos, o Na Pista, projeto social que se tornou, no mês passado, uma produtora de conteúdo audiovisual para dar oportunidade a jovens que cumpriram medida no Departamento Geral de Ações Sócio Educativas (Degase).
— A gente quer achar uma outra saída para mostrar a esses jovem que eles podem, que eles têm uma outra oportunidade. É difícil. Mas a gente tem que criar as oportunidades e caminhar pelas brechas — explica Gelson.
O rapaz é um “Extraordinário”, série criada pelo EXTRA para comemorar os 20 anos do jornal, contando a cada domingo uma história, de um total de 20, de moradores do estado do Rio que batalham para melhorar a vida de outras pessoas.
— Eu moro em Campo Grande. Estive há pouco tempo num evento na Lapa. Eu tive que sair de lá quase à meia-noite. Tive que andar até a Avenida Presidente Vargas só com duas pessoas. Esperamos um ônibus por um tempão. Cheguei em casa quase às 2h da manhã. Até dormir, eram quase 3h. Para acordar hoje cedo e ir para o corre. O jovem periférico é resistência. Para fazer qualquer coisa é um sufoco — diz.
Filho de um motorista de caminhão da Comlurb e uma técnica de contabilidade, Gelson se sente um privilegiado por ter sido estimulado pelos pais a fazer faculdade. Agora, cursa Ciências Sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A virada definitiva aconteceu em um estágio na Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Ali, conheceu Eduardo Caon, criador do TV Novo Degase (curso de audiovisual para internos), que o auxiliou com o Na Pista.

— Foi aí que conheci os espaços de participação política para jovens e adolescentes e me envolvi. Por causa disso, viajei por 21 dias pela Bélgica para dar uma série de palestras sobre protagonismo e genocídio do povo negro — diz.
A história de vida de Gelson é diferente da dos meninos e meninas que acabam em conflito com a lei. Uma pesquisa de 2015 feita pelo Degase mostra que nenhum interno havia completado o ensino médio.
— Mas quando eles saem de lá, nós somos iguais. Eles são nossos vizinhos. Somos jovens, negros e periféricos — aponta.
‘Vamos passar por cima’
O jovem entende que não adianta virar as costas para os adolescentes que caem no crime. A lógica dele é que, se faltarem oportunidades, elas podem ser criadas.
— Não adianta virar as costas e falar: tá aí porque quer. Eu, particularmente, não acredito nisso — diz Gelson. — Fui o primeiro da minha família toda a sair do país. O primeiro a entrar na faculdade pública. Sou o primeiro de muitas coisas. Mas não nos cabe ser só o primeiro. Tem que ter mais jovens, negros, favelados, ex-internos na faculdade pública e produzindo. Nós queremos estar na ponta, recebendo as políticas públicas, e as produzindo. Política pública não é algo longe: é nossa escola, nosso hospital, nosso ônibus.
Gelson lembra de cabeça que, de cada cem pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. O dado é do Atlas da Violência 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Mesmo assim, o rapaz teima em manter a esperança. E ele tem bons motivos:
— No macro a coisa está muito feia. Mas as coisas acontecem nas brechas. A juventude periférica, preta, pobre, de favela está fazendo. A Tamira, no Alemão, a Samira, o Raul. A Mayara na Maré, a Priscila, do Autoestima Diva. O Luã com as crianças dele na escola municipal. As coisas estão acontecendo e vamos passar por cima, como a gente está fazendo.