Relatos de moradores da Maré a uma equipe da Defensoria Pública estadual, que esteve nesta terça-feira no complexo, serão entregues ao Ministério Público para que sejam apurados eventuais abusos nos disparos feitos de um helicóptero da polícia, durante uma operação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) na comunidade, na última segunda-feira. Ao todo, 25 pessoas foram ouvidas por defensores no Conjunto Esperança e nas favelas Salsa & Merengue, Vila do Pinheiro e Vila do João. Durante a ação policial, oito suspeitos acusados de ligação com o tráfico foram mortos. Quem estava em casa se desesperou com os tiros do alto, que quebravam telhas, aumentando o risco de bala perdida. Imagens mostraram estudantes de escolas da região correndo, assustados, para se protegerem do tiroteio ou agachados em corredores e refeitórios das unidades.
Ouvidor da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg disse ao GLOBO que os moradores não souberam descrever os tipos de disparos, mas asseguraram que foram feitos do helicóptero da Core.
— Eles descreveram a ação, a chegada do helicóptero e dos carros blindados. Foi uma operação caracterizada pela letalidade. Nos informaram que era uma situação possível de rendição e que mortes poderiam ser evitadas. O que queremos saber é se essa ação foi marcada pela ilegalidade ou se foi uma dinâmica dentro dos marcos normativos vigentes — explicou Strozenberg, adiantando que será pedida perícia para os locais onde aconteceram os disparos, na Maré.
A operação tinha como objetivo prender o traficante Thomaz Jhayson Vieira Gomes, o 3N, do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Uma denúncia anônima indica que o criminoso está na Maré e, agora, pode estar ferido.
ONG que atua na defesa dos direitos da população local, a Rede Maré informou nesta terça ter identificado veículos atingidos por disparos e também casos de abusos de policiais, com invasões de casas de moradores. De acordo com a entidade, em apenas em uma residência, foram achadas 18 cápsulas de balas.
‘Ação criteriosa’
Em outubro do ano passado, durante a intervenção federal, o então secretário de Segurança, general Richard Nunes, após uma decisão judicial, estabeleceu um protocolo para ações das polícias Militar e Civil. Pela nova regra, as operações não podem ser feitas em horários de maior fluxo nas proximidades de escolas, creches e postos de saúde. Além disso, prédios públicos não podem ser usados como base das ações, pois correm o risco de se tornarem alvos de bandidos. Em caso de uso de helicópteros, os policiais não podem fazer disparos em série.
Segunda-feira, logo após as primeiras críticas à operação da Core, o governador Wilson Witzel defendeu a estratégia adotada, dizendo que “se reclamar da atuação da polícia, é melhor não ter polícia”. Na mesma segunda-feira em que houve o tiroteio na Maré, o mototaxista Josileno Soares da Silva, de 27 anos, foi morto durante um confronto entre traficantes e PMs na Rocinha. Em protesto, moradores da favela fecharam a Autoestrada Lagoa-Barra por cerca de uma hora e meia, causando um grande congestionamento.
Em nota, a Secretaria estadual de Polícia Civil se pronunciou sobre a ação na Maré: “Foi criteriosa e seguiu todos os protocolos usados em incursões em áreas de risco no Rio de Janeiro, inclusive quanto ao uso de aeronaves”. E acrescentou que “a Delegacia de Homicídios da Capital está conduzindo as investigações. Todos os procedimentos investigativos estão sendo tomados”. Durante a investida, foram apreendidos sete fuzis, 14 granadas, três pistolas e 33 carregadores. Três pessoas foram presas, entre elas Brenda Santos, de 22 anos, mulher de 3N. Sete dos mortos foram identificados: Lucas Xavier Gomes de Souza, Adil Fernandes, Cristiano Wictor da Silva, Rodrigo dos Santos, Thiago Carvalho Freitas, Leone Luiz Serpa Fonseca e Gabriel Athaide Bezerra da Cruz.
Fonte: Extra