Para escrever acerca da antropologia carnavalesca, faz-se necessário contextualizar o período histórico e a região a qual estamos nos referindo. Sem isso seria generalizar uma festa pluricultural, e desta forma criar muitas discordâncias. O carnaval tem muitas facetas, cada uma com características próprias, e praticamente todas precisam ser respeitadas.
Assim, irei apresentar, em minha humilde visão de folião, numa determinada compreensão, os pontos que caracterizam o carnaval da Zona Oeste carioca, mais especificamente a necessidade do surgimento do Bloco Carnavalesco Cordão da Bola Laranja. Neste mesmo sentido, vou me ater e não mencionar a origem do carnaval e todo histórico inicial a nível brasileiro e mundial.
O leitor não encontrará, nestas escrevinhaduras, menções da face de um carnaval organizado e planejado que visa essencialmente obter lucros financeiros. Irei evidenciar a manifestação espontânea e legitima que surge da união de Seres intitulados Foliões, que tentam fazer de um período de “energias pesadas” (apontamentos da maioria absoluta das religiões praticadas no Brasil), um momento de descontração e alegria.
Por volta dos idos de 1846, surge uma figura lendária, que com muita alegria buscava reunir pessoas e propiciar a elas um clima agradável e divertido. José Nogueira de Azevedo Paredes, ao tocar seu bumbo, além de outros instrumentos, pelas ruas, estimulava a alegria aos espectadores que por sua vez sentiam a necessidade de interagir. A tradição se espalhou rapidamente e o sucesso do “Zé Pereira” contagia até hoje a essência dos Blocos de Rua.
Reunir a turma para brincar, ao som de instrumentos que nem sempre são tocados com maestria, mas sempre com alegria, e de forma irreverente realizar gozações com os costumes populares, com as lambanças políticas, com as particularidades dos outros, sempre foram marcas registradas nesta folia. Vale evidenciar que rarissimamente algumas dessas gozações foram tratadas como Bullying, haja vista que não existia o componente da agressividade tentando inferiorizar o outro (além de, à época, as pessoas serem muito mais bem resolvidas em suas fraquezas psicológicas).
Segundo historiadores, um período de decadência desses festejos de rua foi no meado da década de 80 até finalzinho da década de 90. Neste período, o carnaval se resumia aos desfiles das Escolas de Samba e alguns poucos tradicionais bailes em Clubes.
Essa decadência, obviamente, atingiu também a Zona Oeste e a Costa Verde, porém sem a mesma falência. Resistir me parece característica própria dos subúrbios cariocas!
Outros historiadores citam como “retomada” a movimentação iniciada nos anos 2000 para com o carnaval de rua. Prefiro, mais uma vez, evidenciar que nos subúrbios e na Costa Verde essa movimentação nunca deixou de existir. Aceito a ideia de “retomada” para expressar que a cada ano essa movimentação cresce mais, tanto em número de blocos quanto em volume de foliões.
Em Campo Grande, nosso bairro cidade, inúmeros blocos contribuem para essa animação. Alguns são movidos pela venda de “Abadás” (camisas personalizadas), outros por uma união praticamente improvisada, outros por lutar à um ideal. Existem aqueles que representam uma rua ou localidade, outros criados para favorecer o comercio informal e provisório, e/ou ainda, servir de catapulta política (sendo essa última serventia, o maior flagelo que possa existir).
Um fenômeno muito recorrente na sociedade atual, infelizmente, é a disputa por espaços. A “fechada” que um carro dá no outro é um nítido exemplo desta necessidade de apontar a propriedade de um espaço que na realidade é de convivência e não privado. Tais atitudes provavelmente tenham suas raízes no machismo e na competitividade impositiva econômica, onde seus atores não aceitam perder espaço. Infelizmente, já é possível ver Blocos limitando a transitação espacial de outros blocos; certamente esses esqueceram que a folia carnavalesca de rua é união, é comungar, é um espaço de convivência para todos…fica a minha critica!
Dentre tantos, em 2017, a propaganda de um destes blocos chamou muito a minha atenção! O nome “Cordão da Bola Laranja”, para quem conhece a importância do ciclo da laranja, por volta de 1930-40, no desenvolvimento do bairro, simboliza a valorização dos aspectos culturais campograndense.
Desta forma, me prontifiquei a conhecer que folia era essa proposta…que ideais esse grupo tinha.
Para minha felicidade, encontrei jovens – em média de 30 anos de idade – que tinham a intencionalidade de valorizar o bairro origem; desejavam resgatar o carnaval familiar e irreverente; detentores do domínio de seus instrumentos musicais; preocupados com a democracia e a liberdade de expressão, além de uma preocupação muito particular em oferecer às suas famílias e vizinhos um carnaval como nos velhos tempos.
Deu gosto ver uma geração mais nova se preocupar, e colocar em prática, ações que mantêm uma folia sadia … que é contrária aos vícios e as agressões que reduzem o valor desta festa.
O Cordão da Bola Laranja é composto por instrumentistas dos metais e sopro (Trombone, Trompete, Flauta e Saxofone), percursionistas (Xequerê, Caixa, Surdo, Repique e Tamborim) além de artistas circenses (Malabares, Pernaltas e Cospe Fogo). Os mesmos artistas que compõe estas artes se revezam em outras funções em prol de “colocar o bloco na rua” (Divulgação, elaboração dos adereços, estandarte, patrocínio, ensaios dos instrumentos, ensaios coreográficos, entre outros).
Nitidamente existe uma preocupação em realizar uma apresentação que encante a vizinhança e a cada ano arraste mais adeptos do bairro para o cortejo.
O bloco foi fundado pelos irmãos Leonardo e Bernardo Guidolini e com o amigo de infância Vitor Boti. No primeiro cortejo do bloco no Bairro do Souza, surpreendeu muitos vizinhos e até mesmo os próprios componentes tamanha a expectativa gerada entre os moradores. Daí o primeiro sentimento que surgira era de não conseguir esperar 1 ano passar para poder reunir a animada turma novamente, assim, imediatamente, nasceu o Arraiá do Cordão da Bola Laranja, tão animado quanto a movimentação produzida pelo bloco, e com as mesmas finalidades.
Quem desejar seguir o grupo nas redes sociais, para acompanhar seus preparativos e movimentos culturais, a página é https://www.facebook.com/cordaodabolalaranja/
Assim, pode-se dizer que o Cordão da Bola Laranja é um grupo irreverente, não banal, de essência instrumental e bairrista. Vida longa ao Cordão da Bola Laranja!!
Imagens: Cayo Lames