As bandas de baile do Distrito Federal brilharam entre as décadas de 1970 e 1990. Se o leitor nasceu depois disso, talvez năo saiba nem o que é uma banda de baile, mas, provavelmente, já ouviu algum desses grupos no palco de uma formatura, em um evento corporativo ou em um casamento, tocando um pouco de tudo: do pop ao forró, do jazz ao axé e do sertanejo ao rock. Por trás dessas animadas apresentaçőes está a história de Rose Galvăo, 50 anos, uma das principais vozes da época, que, agora, promete voltar aos palcos.
Filha de militar, Rose Galvăo nasceu no Rio de Janeiro, em 1968. Mudou-se para Brasília, em 1974, quando o pai foi transferido para a capital. Uma época de repressăo política e social, mas sem marcas profundas para ela. “Eu vivi a parte ‘feliz’ da ditadura. Tive uma boa infância”, lembra. Mas se as notícias de desaparecidos e torturas năo frequentavam a casa de Rose, a disciplina militar, ditada pelo pai, entăo tenente da Aeronáutica, a acompanhou durante toda a vida.
Quando criança, Rose sonhava em ser artista. “Eu me olhava no espelho e ficava cantando para me sentir cantora”, recorda. Aos 16 anos, fazia, semanalmente, um percurso de casa, no Guará, até Taguatinga, onde tinha aulas de inglês. “Certo dia, ouvi uma música ali perto do cursinho. Descobri que uma banda ensaiava e tocava por ali”, conta. A moça, entăo, passou a acompanhar os ensaios e, ousadamente, se disponibilizava para cantar. “Olhem, eu sou cantora, se precisarem…”. Rose, no entanto, nunca havia cantado, a năo ser em frente ao espelho.
“Aconteceu que o grupo se dividiu. Um dos líderes criou outra banda, a Tropical, e me chamou para ser vocalista”. O maior desafio, no entanto, năo era a falta de preparo e experiência, mas convencer o pai, Bartolomeu Souza, a deixá-la cantar. “Meu pai achava que cantoras eram prostitutas drogadas. Ele disse que, de forma alguma, me deixaria cantar”, relata. Após muita insistência, o pai prometeu que ela poderia subir aos palcos, mas só depois que passasse no vestibular. Ela estudou e entrou na faculdade, porém, a promessa năo foi cumprida.
Rose năo desistiu. “Disse para ele que ia sair de casa, viver minha vida e realizar meus sonhos. Nesse momento, ele me agrediu”, lembra, com tristeza. Hoje, Rose enxerga que aquele foi uma atitude pontual. No fim, o carinho do pai pela filha se mostrou maior que o conservadorismo. O tenente Souza deu permissăo para que ela entrasse na banda, desde que a măe, dona Nádia, a acompanhasse nos bailes. As bandas de baile estavam em alta. Os palcos eram os clubes, tanto os particulares — Minas Brasília e Iate Clube, no Plano Piloto; Primavera e City, em Taguatinga — quanto os de associaçőes de funcionários públicos.
A banda Tropical se tornou um dos maiores sucessos das décadas de 1980 e 1990. Rose guarda com carinho as inúmeras matérias jornalísticas que comprovam o triunfo do grupo na época. “Uma vez, em 1987, fizemos um show enorme no ParkShopping. Minha măe conta que meu pai, orgulhoso, apontava para mim e dizia para todos que aquela no palco era a filha dele”, diz. Foi a única apresentaçăo presenciada por seu Bartolomeu. Ele morreu três anos depois, de aneurisma abdominal, feliz da vida com o sucesso da filha.
Professora
Após a segunda gravidez, a artista precisou fazer uma pausa na carreira. Atualmente, é professora de história no Centro de Ensino Fundamental 18, em Ceilândia. Na escola, Rose é a responsável pelo projeto Africanidades: consciência de quê?, com o objetivo de desmistificar paradigmas e mostrar que a responsabilidade em combater o racismo é de todos.
A última ediçăo do trabalho, em 10 de novembro, foi marcada por uma apresentaçăo da discente, que chamou a atençăo de alunos e colegas. “No dia seguinte, todos me perguntavam por que eu estava escondendo esse talento deles”, sorri. A chama artística reacendeu em seu interior. Rose, agora, promete voltar aos poucos e mostrar a que veio. “O verdadeiro sentido da minha vida é a música. Quero, com isso, atingir positivamente também a vida dos meus alunos. A arte, aliada à educaçăo, transforma vidas”, finaliza.
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* Estagiária sob a supervisăo de Leonardo Meireles