O Jornal Nacional apresenta agora a quarta e última reportagem especial sobre a ciência mais injustiçada do mundo: a matemática, que assusta tanta gente, mas está em tudo à nossa volta. E hoje ela vai revelar uma receita: como acertar as dezenas da Mega-Sena.
Em muitos ramos da ciência, o conhecimento vai se renovando. A descoberta de hoje é superada pela de amanhã. Na matemática, não. As verdades são eternas e todo o conhecimento vem se acumulando desde a antiguidade até hoje. Mas a matemática ainda tem muito para descobrir.
Repórter: E já que esse é o nosso último episódio, depois de tantas andanças, eu deixei de cerimônia, criei coragem e perguntei o que todo mundo quer saber sobre números: o resultado da Mega-Sena. Será que o matemático Marcelo Viana poderia me ajudar? Eu não só fiquei sem resposta como aprendi que, se você for apostar na loteria, provavelmente não vai querer um matemático por perto porque eles adoram dizer que provavelmente você não vai ganhar.
Matemático: Você está fazendo aposta mínima?
Repórter: Isso, seis dezenas.
Matemático: São 50 milhões de combinações, você tem uma chance de 0,000002%.
A Mega-Sena tem mais de 50 milhões de combinações possíveis. Para ter certeza do acerto, um apostador teria de gastar mais de R$ 175 milhões. É o duelo da calculadora com o poder da imaginação.
Como seria a vida diante de um cartão postal? Mas até o cartão postal mostra o quanto é difícil ganhar.
Repórter: Aproveitando que a gente está aqui diante do Cristo, se eu quisesse apostar em todas as combinações possíveis – são duas apostas por cartela – daria mais ou menos a altura do Cristo Redentor?
Matemático: Duas apostas em cada cartela você vai colocar todos os 50 milhões de apostas, 25 milhões de cartelas, daria três vezes a altura do Corcovado. Três vezes mais alto do que o Corcovado contando o morro e a estátua, três vezes.
Repórter: Marcelo, se eu apostar em todos os concursos, seis dezenas, duas vezes por semana, quanto tempo eu levo para ter certeza de que eu vou ganhar?
Matemático: Olha, certeza você não vai ter nunca. Supondo que você aposte duas vezes por semana, como você falou, deve dar 150 mil anos, aí você nesse tempo tem chance de 50% de ter acertado.
Atletas dos números
O Mauro não quer esperar tanto tempo para realizar os sonhos e, para isso, está estudando matemática.
“A matemática é como se fosse uma língua que você fala, uma língua estrangeira. Os números seriam como as letras, as expressões como as frases que estão tentando te dizer alguma coisa”, diz o estudante Mauro Victor Ferreira Moledo.
Ele segue o exemplo da irmã mais velha. Monique foi a primeira na casa a participar da OBMEP, a Olímpiada Brasileira de Matemática das escolas públicas. É a maior olimpíada estudantil do país, que em 2017 teve 18 milhões de participantes.
O sucesso na competição abriu portas e ela conseguiu até uma bolsa de estudos nos Estados Unidos.
A família reparou que o Mauro estava indo pelo mesmo caminho. Já tem uma medalha de bronze e uma de ouro na OBMEP.
“Não é só uma medalha, o mérito é para a vida toda. Que eles sejam pessoas honestas. Que ganhem pela honestidade, o trabalho, que sejam felizes! Só isso”, diz a mãe dos jovens, Eliana Ferreira Moledo.
Romper as barreiras
Mauro busca inspiração num outro menino. Aos 15 anos, ele ganhou medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática, no Canadá.
Cresceu, mudou o penteado e, aos 35, Artur Ávila conquistou o maior prêmio da matemática, a medalha Fields, considerada equivalente ao prêmio Nobel.
Hoje, aos 38 anos, esse brasileiro é uma das cabeças em que o mundo confia para ampliar os limites do conhecimento humano.
“Matemática lida também muito com a incerteza e com a limitação do conhecimento. A gente está perfeitamente ciente de que você não vai ter solução para as coisas. Mas às vezes você pode até descobrir o quanto você não vai poder chegar perto”, explica.
Artur está bem acompanhado nessa busca para romper as barreiras da ciência. Ele é pesquisador do Impa, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro. É uma das instituições mais avançadas do mundo, com o ambiente perfeito para o estudo de formas, padrões e outras questões um pouquinho mais complicadas.
Uma pergunta ainda sem resposta: qual a forma do universo?
O próprio símbolo do Impa pode ser uma boa pista. É a chamada Faixa de Moebius. O nosso olhar acha que ela tem dois lados. Mas a matemática mostra que não.
“Quando eu dou a volta à superfície, eu vejo que o lado de baixo virou o lado de cima um continua no outro. De fato, essa superfície, só tem um lado”, diz Marcelo Viana, o matemático que é diretor-geral do Impa.
Uma das hipóteses em que se acredita atualmente é que o universo tenha o formato da faixa e quem viajar por ele um dia vai voltar para o mesmo lugar.
“Você pode imaginar um astronauta aqui, com o coração do lado esquerdo, aí o astronauta sai em viagem pelo espaço, dá a volta ao universo e quando ele regressa a casa, o coração passou para o lado direito”, afirma Marcelo.
A matemática nos surpreende sempre. Ciência irmã da paciência, vive sendo chamada de complicada, difícil, desagradável. Responde com tanta beleza que nos deixa sem palavras.
Fonte: G1