Ex‑traficante, ex‑chefão do Comando Vermelho e agora escritor, Marcio dos Santos Nepomuceno — mais conhecido como Marcinho VP — voltou aos holofotes esta semana ao lançar “A Cor da Lei”. O evento, realizado em uma livraria no Centro do Rio, lotou de curiosos, jornalistas e ativistas dos direitos humanos. Mas o que arrancou aplausos não foram somente as 320 páginas que narram sua visão sobre crime, polícia e Justiça: foi o anúncio de que 100% da renda do título será destinada ao Fundo Municipal para a Infância e Adolescência (FIA‑RJ), que financia projetos para crianças em situação de vulnerabilidade.
Marcinho, hoje com 55 anos e ainda cumprindo pena em regime fechado, passou uma década escrevendo entre grades. “Cada capítulo é um pedido de desculpas e um convite à reflexão”, disse ele por videoconferência, autorizado pela Justiça. O autor não esqueceu de mencionar seu filho, o rapper Oruam, que cresceu visitando-o em presídios de segurança máxima: “Prometi a ele que usaria minha voz para consertar parte do estrago que causei”.
O livro mistura memórias pessoais, bastidores do narcotráfico nas favelas cariocas e análises do sistema prisional. Além de detalhes inéditos sobre disputas internas no Comando Vermelho, Marcinho comenta casos recentes de violência policial e sugere políticas públicas para quebrar o ciclo crime‑prisão‑crime. O prefácio é assinado pelo criminólogo Luiz Eduardo Soares, que classifica a obra como “um testemunho incômodo e ao mesmo tempo indispensável para entender a guerra urbana que assombra o Rio há quatro décadas”.
Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, a escolha de destinar a arrecadação ao FIA‑RJ pode injetar até R$ 3 milhões em programas de abrigo, reforço escolar e atendimento psicológico, caso a tiragem inicial de 50 mil exemplares se esgote. A editora confirmou que nenhum centavo passará pelas mãos do autor; o repasse será direto, auditado pelo Ministério Público. “É a primeira vez que vemos um ex-líder do tráfico renunciar integralmente ao lucro de uma publicação”, afirmou a promotora Fernanda Carvalho, que acompanha o caso.
Especialistas em segurança pública divergem sobre o gesto. Para a antropóloga Jaqueline Muniz, “o simbolismo é poderoso: quem produziu violência agora financia proteção”. Já o coronel reformado Íbis Pereira alerta: “Não basta caridade. Precisamos de políticas estruturais que evitem que outras crianças sigam o mesmo caminho”. Ainda assim, pais de vítimas e representantes de ONGs celebraram a iniciativa como um raro sopro de esperança em meio ao noticiário sangrento.
“A Cor da Lei” chega às prateleiras como uma prova viva de contradição e possibilidade. Se, no passado, Marcinho VP comandava favelas pelo medo, agora tenta influenciar pelo exemplo. Resta saber se o leitor — e a sociedade — estão dispostos a aceitar que a mesma mão que disparou pode, ao virar páginas, também amparar.