Em “Imagens da Escravidão Afro-atlântica: O Outro do Outro”, Lilia Schwarcz desconstrói estereótipos criados pelas representações permeadas de metas e padrões europeus.
1. A IMAGEM QUE TEMOS DA ESCRAVIDÃO É CONSTRUÍDA
O Brasil foi a última nação a abolir a escravidão na América, permitindo a artistas estrangeiros documentar a história africana no País em desenhos, gravuras, pinturas e fotografias. Esses registros foram divulgados pelo mundo como retratos da trajetória das nações africanas trazidas ao continente. “São elementos que carregam intenções visuais europeias em que artistas reproduzem uma visão colonial passível de ser adaptada a qualquer lugar”, afirma Lilia Schwarcz. Repetidas, copiadas e aplicadas a novos contextos, essas imagens revelam a política de dominação ao retratar pessoas escravizadas: africanos fortes, sem sapatos, com poucas roupas, sendo disciplinados, levando cargas pesadas, seguindo e servindo seus mestres bem vestidos.
2. A HISTÓRIA FOI RETRATADA DE FORMA A ANIQUILAR A INDIVIDUALIDADE DOS ESCRAVOS
Essas obras de arte – muitas criadas por nomes notórios, como Debret e Rugendas – guardam detalhes pouco comentados mas fundamentais na compreensão do Brasil. “Não havia espaço para individualidade, rebelião, fugas, quilombos – estes eram raramente retratados”, explica Schwarcz. “São imagens que retratam a invisibilidade e o anonimato”, complementa. Numa ilustração quase maternal da escravidão, revela-se uma relação baseada na violência e afeição, com indivíduos agrupados no anonimato e com “nações reduzidas a blocos biológicos em vez dos vários povos que fazem parte da diáspora”.
3. AS INTERPRETAÇÕES ARTÍSTICAS DA ESCRAVIDÃO PERPETUAVAM A DOMINAÇÃO
Imagem da dominação: de Jean-Baptiste Debret (Feitor castigando negro, 1835) | © Taylla de Paula
4. A FOTOGRAFIA DEIXOU ESCAPAR A INDIVIDUALIDADE SUFOCADA
5. A RECONCILIAÇÃO CRIADA COM A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO É UMA FARSA
Com a abolição da escravidão, surgem novos padrões imagéticos, retratando a reconciliação, do ponto de vista branco-europeu: “os escravos mostram gratidão, como se a liberdade não fosse um direito”, diz Schwarcz. Iniciou-se também a denúncia do sistema escravocrata, que identifica o engajamento do artista, em imagens de situações bizarras, de pessoas sendo comercializadas. Por outro lado, persiste uma abordagem condescendente, com negros agradecendo a liberdade. Esse processo nega a história, mesmo no movimento de emancipação, criando uma “amnésia nacional da escravidão”, como afirma Schwarcz.
6. AS IMAGENS DA ESCRAVIDÃO SE REPETEM EM ACONTECIMENTOS ATUAIS
7. É PRECISO POLITIZAR AS IMAGENS DA ESCRAVIDÃO
Apesar de velado, o fantasma da escravidão é real no Brasil. “Ao contrário do que é perpetuado, o País não é um caldeirão cultural sem preconceitos. Vivemos em uma democracia racial cercada de racistas por todos os lados”, constatou Lilia Schwarcz . O sistema de cotas na universidade mudou este cenário, mas ainda é um começo. Segundo ela, precisamos politizar essas imagens que não vivem no passado, pois a cultura não é consequência ou produto, mas sim uma produção.
OUTRAS PALAVRAS
- Livro “Beloved” (Amado, em tradução livre, 1987), de Toni Morrison: “É um tema muito caro para mim, mostra como o presente é cheio de passado e que esses fantasmas são mais reais do que imaginamos”.
- Filme “Do the Right Thing” (Faça a Coisa Certa, 1989), de Spike Lee: “Esse filme me chamou a atenção por falar da dificuldade de diálogo das etnicidades e de como contar essas histórias, sem criar exclusão”.
- Música “Parabolicamará”, de Gilberto Gil (gravada em 1991): “O mundo dá voltas, e as temporalidades são distintas”