O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria na tarde desta quarta-feira, 14, para validar um artigo do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que prevê a detençăo de seis meses a um ano ao condutor que se afasta do veículo do local do acidente “para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”. Até o momento, seis ministros votaram a favor da constitucionalidade do dispositivo, em meio a questionamentos de um motorista do Rio Grande do Sul que alegou que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Para o relator do caso, ministro Luiz Fux, a fuga do local do acidente é “absolutamente indefensável”. Na avaliaçăo do ministro, descriminalizar a conduta vai contra a vontade do parlamento. “A Constituiçăo promete, em nome do povo, uma sociedade justa e solidária. Como que se pode criar uma sociedade justa e solidária admitindo a conduta de quem se afasta do local do acidente para fugir da responsabilidade penal e civil? É absolutamente impossível que uma ordem jurídica năo imponha a criminalizaçăo desta conduta.”
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que há uma “verdadeira epidemia” de acidentes de trânsito no País e que o artigo 305 tem por objetivo obrigar que o condutor envolvido no acidente permaneça no local para que autoridades possam apurar o que ocorreu. “O fato de o artigo 305 estabelecer uma vedaçăo ao condutor do veículo de se afastar do local do acidente năo o obriga ao ficar a ter que confessar uma responsabilidade, ou a ter que abrir măo de seu direito ao silêncio, năo obriga a ter de participar de uma reconstituiçăo imediata, a realizar exames obrigatórios. Eles têm a obrigaçăo, como condutores de veículos,. de resguardar local dos fatos e aguardar a apuraçăo.”
Moraes lembrou que estudos técnicos mostram que a partir da preservaçăo do local do acidente e da análise deste local para apurar o que aconteceu, a prevençăo se torna mais fácil. “Năo só apurar eventuais responsabilidades dos envolvidos, mas também para se evitar que isso volte a ocorrer.”
O ministro Edson Fachin destacou em seu voto que, em 1981, o Brasil passou a adotar regras estabelecidas por uma convençăo de trânsito celebrada em Viena, que trata, entre outros pontos, sobre o comportamento do motorista em caso de acidente “Como o Brasil internalizou-a, portanto, é lei no Direito interno a ser considerada para a soluçăo dos casos submetidos à prestaçăo jurisdicional”, frisou Fachin.
“Todos nós brandimos armas contra a morosidade da Justiça, a dificuldade de responsabilizaçăo, os lapsos temporais alargados que podem se converter em impunidade. Este tipo vem na direçăo oposta. E, portanto, me parece que é constitucional”, disse Fachin, acompanhando o relator do caso.
O ministro Luís Roberto Barroso defendeu a existência de um direito penal moderado, mas ressaltou que, “no atual estágio da condiçăo humana, o comportamento ético precisa de um incentivo normativo”. “Eu năo me animo a retirar do Código Penal uma norma que acho que dá o incentivo correto às pessoas pararem para socorrer ou permitir a reconstruçăo do fato, assegurado o direito de permanecer em silêncio para năo se auto incriminarem.”
Barroso disse ainda que considera o dispositivo compatível com a Constituiçăo, porque fugir após atropelar, causar acidente ou ser parte de um acidente năo săo condutas compatíveis com o ideal constitucional de uma sociedade justa e solidária. “A permanência no local do delito é imunizada de qualquer intervençăo penal sobre a pessoa para dar incentivo a esta prática solidária e minimamente humana de socorrer alguém. E o ato de socorrer, diante de fato de trânsito, deve ser atenuante relevante numa demonstraçăo de culpabilidade.”
Já a ministra Rosa Weber afirmou que o artigo 305 do CTB năo ofende a Constituiçăo Federal e que a exigência de permanência do condutor no local do acidente permite sua identificaçăo, facilita a responsabilizaçăo penal e civil e “apresenta-se como importante fator de solidariedade a incrementar a proteçăo à vida e integridade física da vida”.
“Eu compreendo que o artigo 305 em exame, ao expressar a preocupaçăo do legislador federal com a administraçăo da justiça, com a segurança no trânsito e, por conseguinte, com a preservaçăo dos direitos – a integridade da vítima, a incolumidade pública, a saúde dos usuários da vias públicas -, năo malferem os princípios da ampla defesa, da auto incriminaçăo e da igualdade.” Após voto da ministra, a sessăo foi suspensa para almoço dos ministros, tendo sido retomada às 14h30.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, entendeu năo ser possível considerar inválido o dispositivo por afronta a princípios fundamentais. “Năo considero ter havido aqui afronta ao princípio da proporcionalidade e excesso do legislador em face da garantia constitucional que permanece hígida e considerando o princípio da responsabilidade que é de todo cidadăo em relaçăo aos outros porque năo dá para como se deixar de entender o direito como instrumento de acatamento ao princípio da responsabilidade que é própria da convivência social.
O caso. A constitucionalidade do crime de fuga do local de acidente foi debatida em um recurso extraordinário de relatoria do ministro Luiz Fux, que teve repercussăo geral reconhecida, por unanimidade, o que significa que o entendimento firmado pelo STF nesta tarde deverá balizar casos similares.
No caso em discussăo, um condutor fugiu do local em que colidiu com outro veículo e foi condenado a oito meses de detençăo, pena substituída por restritiva de direitos. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) entrou com recurso de apelaçăo e pediu a absolviçăo, entendendo que ninguém é obrigado a produzir provas contra si. Segundo o acórdăo do TJ-RS, o dispositivo do CTB é inconstitucional, porque a simples presença no local do acidente representaria violaçăo da garantia de năo autoincriminaçăo.
Ao ingressar com recurso extraordinário, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul argumentou que o artigo 305 năo representa obstáculo à imputaçăo do crime de fuga, porque os direitos à năo autoincriminaçăo e ao silêncio permaneciam incólumes. De acordo com o Ministério Público do Estado, a permanência do condutor no local em que ocorreu o acidente năo se confunde com confissăo de autoria ou reconhecimento de culpa. (Colaborou Rafael Moraes Moura)