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De trem, o gerente de loja Flávio Almeida, de 29 anos, faz um trajeto diário de Gramacho até o Centro da Cidade, pelo ramal de Saracuruna. Ele diz já ter perdido a conta de quantas vezes precisou interromper a viagem no meio do caminho por causa de tiroteios. Os trens que seguem para esse destino da Baixada Fluminense passam por Manguinhos, uma região considerada de risco.
Segundo a SuperVia, desde o início de 2019 foram registradas 40 interrupções temporárias da circulação dos trens em função de tiroteios, nas imediações da via férrea. Ao todo, foram 43 horas e 40 minutos de alteração na operação. De janeiro a junho deste ano (sem contar as duas primeiras semanas de julho),
ocorreram 37 casos, 270% a mais do que no mesmo período do ano passado (10 casos).
ocorreram 37 casos, 270% a mais do que no mesmo período do ano passado (10 casos).
Ontem, houve nova interrupção, no ramal de Santa Cruz, por cinco minutos, devido um tiroteio próximo à estação de Senador Camará. A SuperVia estima que 40 mil passageiros deixaram de utilizar os trens durante essas ocorrências. Ainda segundo a empresa, considerando os usuários que desistiram de usar o sistema nesses dias e os que receberam reembolsos, durante as interrupções por tiroteio, apenas em 2019, a concessionária sofreu uma perda financeira de quase R$ 200 mil.
“Quando tem interrupção, preciso descer em Bonsucesso e pegar um ônibus. Perco mais de uma hora no trânsito e chego atrasado ao trabalho”, contou o gerente de loja Flávio Almeida.
O assistente de edição Luciano Silva, de 44 anos, também se arrisca para não perder tempo no trânsito. Ele usa o ramal de Belford Roxo, que cruza o Jacarezinho, outra área conflagrada. “De trem, o percurso até a minha casa leva 25 minutos. De ônibus, já gastei duas horas e 10 minutos no engarrafamento”, compara.
A encarregada Fabiana dos Santos, 40 anos, também fica preocupada ao embarcar no ramal de Saracuruna:
A encarregada Fabiana dos Santos, 40 anos, também fica preocupada ao embarcar no ramal de Saracuruna:
“É brabo, mas não tem outro jeito”. Em situações de tiroteio nas redondezas do trajeto dos trens, os passageiros geralmente se jogam ao chão dos vagões. Imagens de situações como esta são amplamente compartilhadas nas redes sociais. Segundo a SuperVia, quando há tiroteios próximo ao sistema, os passageiros que tentam embarcar são informados sobre as condições de circulação. De acordo com a concessionária, a maior parte deles desiste da viagem.
“Cada tiroteio é mais um impacto negativo na vida de milhares de pessoas. Contamos com a colaboração do estado para que o transporte sobre trilhos funcione como deve ser: confortável, seguro e rápido, pois não enfrenta engarrafamentos e é bastante estratégico para a mobilidade urbana, já que funciona como via troncal nos deslocamentos entre 11 municípios da região metropolitana e a capital do estado”, avalia José Carlos Prober, presidente da SuperVia.
Patrulhamento
A concessionária informou que o ramal de Saracuruna foi o mais afetado este ano, com 20 ocorrências. Em seguida vêm os de Belford Roxo e Santa Cruz, com oito registros cada.
A empresa ressalta que a segurança pública, dentro e fora do sistema, é uma atribuição do governo do estado, que atua por meio de grupamentos militares.
A Polícia Militar esclarece que faz patrulhamento em todo o entorno da malha ferroviária e que, durante as ações, é pedida a interrupção da circulação dos trens.Temor cresce com ações policiais
O antropólogo Robson Rodrigues, coronel da reserva da PM e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, diz que casos como a suspensão da circulação dos trens, e ainda de assaltos a ônibus, contribuem para a “rotinização do medo”.
Ele explica que, por um lado, tem crescido o número de operações policiais, mas, por outro, não há resultados expressivos para diminuição da violência. “O risco é real, principalmente, nas áreas mais conflagradas. Há aplicativos, ONGs e toda uma rede de informação sobre tiroteios no Rio, mas quando a pessoa é mais pobre, ela não consegue evitar. Em outras áreas, o cidadão pode usar seu veículo particular para fazer uma corrida compartilhada”, explicou Rodrigues. Para o antropólogo, é necessário repensar a forma de atuação da Segurança Pública no estado: “Há impactos negativos ao longo da vida dessas pessoas. As autoridades precisam se sensibilizar”.Assaltos a ônibus também amedrontam
O medo também acompanha os passageiros de ônibus. A cada meia hora, um coletivo foi assaltado no Estado do Rio, nos primeiros cinco meses deste ano, conforme reportagem publicada pelo DIA, na edição de 20 de junho, baseada na estatística do Instituto de Segurança Pública (ISP). De janeiro a maio foram registrados 7.644 casos deste tipo, um crescimento de 18,2%, se comparado com o mesmo período de 2018, quando foram anotadas 6.319 ocorrências. Maio deste ano teve o maior número de roubos a coletivos em 21 anos: 1.652, contra 1.501 do mesmo mês do ano anterior, um aumento de 10,1%.
Os registros de ocorrência mostram que um trecho de 3,7 quilômetros da Avenida Brasil – que margeia o Complexo da Maré, em Bonsucesso – teve o maior número de assaltos a ônibus no estado, 558 casos. Para tentar frear os roubos a coletivos, o comandante de Policiamento de Área 1, coronel Sérgio Schalioni, afirmou que intensificou o policiamento com agentes disfarçados nos veículos.
Dados obtidos por O DIA, através do sistema operacional das empresas de ônibus, apontam as linhas mais visadas, os locais e horários em que os assaltos ocorrem no Estado do Rio. Somente a linha 715L, que faz o trecho Jardim Redentor-Cascadura, sofreu 22 assaltos este ano. O ônibus faz 54 paradas, partindo de Cascadura e terminando a viagem na Avenida Pastor Martin Luther King.
Os motoristas contam que muitas vezes são parados em engarrafamentos já com um dos assaltantes exibindo uma arma, como mostram imagens das câmeras de circuito interno dos ônibus. Além de levar o dinheiro da passagem, os alvos dos assaltantes são os celulares.Jornal O Dia