O Ministério Público do Trabalho (MPT) concluiu nesta quarta-feira, 18 de dezembro, uma investigação devastadora que expôs condições de trabalho análogas à escravidão durante o último Rock in Rio. O festival de música, realizado entre 29 de setembro e 8 de outubro no Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, não só marcou o retorno do evento após quatro anos, mas também revelou uma face sombria da indústria do entretenimento. A conclusão da investigação trouxe à tona práticas que chocaram o país e geraram reações severas por parte de autoridades e sociedade civil.
Segundo o relatório do MPT, 14 trabalhadores foram resgatados na madrugada do dia 22 de setembro, data do fechamento do festival. Esses funcionários, que trabalhavam como carregadores, enfrentavam jornadas exaustivas que chegavam a até 21 horas consecutivas. Os relatos dos trabalhadores são estarrecedores: eles detalharam um regime de trabalho que começava às 8h da manhã e se estendia até as 5h do dia seguinte, com apenas três horas de descanso entre os turnos. As condições eram tão severas que alguns trabalhadores eram forçados a dormir em escritórios improvisados, dentro da Arena de Tênis do Parque Olímpico, utilizando papelões e sacos plásticos como colchões.
A empresa FBC Backstage foi contratada para fornecer serviços de apoio durante o festival, trabalhando sob a responsabilidade da Rock World, a empresa organizadora do evento. De acordo com os procuradores da força-tarefa do MPT, o pagamento aos trabalhadores era realizado por diária, com valores que variavam entre R$ 90 e R$ 150, dependendo do número de horas trabalhadas. Este modelo, somado ao sistema de ‘dobragem’ de expediente — no qual os trabalhadores acumulavam longas horas sem descanso —, contribuiu para o cansaço extremo e para a privação de descanso adequado.
Condições Precárias de Dormitório e Higiene
A investigação do MPT revelou condições de alojamento absolutamente inadequadas para seres humanos. Muitos trabalhadores resgatados estavam dormindo em locais improvisados, utilizando apenas papelões e sacos plásticos como base para se deitar. Raul Capparelli, um dos auditores fiscais que participaram da ação, descreveu a situação como um “cenário de penúria”. Ele contou que muitos dos trabalhadores estavam tão exaustos que tiveram dificuldade em acordar para as entrevistas realizadas durante o resgate. “Encontrar esses trabalhadores dormindo sobre lonas e papelões foi uma das cenas mais difíceis que já enfrentei. O cansaço era tão extremo que muitos mal conseguiam abrir os olhos para falar”, disse Capparelli.
O MPT também encontrou evidências de que as condições de higiene eram extremamente precárias. Banheiros e vestiários, utilizados pelos trabalhadores, eram insalubres, com registros de sujeira e urina no chão. Algumas mulheres contaram aos auditores que precisavam de artifícios como tirar a maçaneta das portas do banheiro feminino para evitar que homens entrassem. As funcionárias relatam que tomavam banho de canequinha em cubículos improvisados, usados como chuveiros, devido à falta de espaços adequados para tal. Roupas eram penduradas para secar em locais inadequados, e o ambiente estava tomado por lixo e sujeira.
Reação da Rock World e Desafio das Autoridades
A Rock World, empresa responsável pela realização do festival, repudiou veementemente as acusações. Em nota, a empresa afirmou que não tolera “nenhuma forma de trabalho análogo à escravidão” e que está colaborando com as autoridades para a apuração dos fatos. No entanto, para o MPT, as condições encontradas durante o festival foram indicativas de práticas que não podem ser consideradas isoladas ou fruto de negligência, mas sim parte de um sistema de exploração.
O caso levanta questões importantes sobre o papel das empresas contratantes e a responsabilidade de grandes eventos, como o Rock in Rio, na fiscalização e controle das condições de trabalho dos fornecedores e terceirizados. As autoridades agora enfrentam o desafio de garantir que práticas abusivas como essas sejam eliminadas da cadeia de produção de eventos. O MPT segue comprometido com a investigação e promete medidas rigorosas para punir os responsáveis, tanto criminal quanto administrativamente.
“A questão do trabalho análogo à escravidão não pode ser ignorada”, afirmou o procurador-geral do trabalho, Alberto Balazeiro. “Estamos frente a uma prática que não pode ser tolerada em uma sociedade justa. O resgate dessas vítimas é apenas o primeiro passo. Agora precisamos garantir que isso não aconteça novamente e que empresas sejam responsabilizadas por suas ações.”
Conclusão
O resgate das 14 vítimas durante o Rock in Rio não apenas destacou as vulnerabilidades das relações de trabalho no setor de entretenimento, mas também trouxe à tona um debate maior sobre a precarização das condições de trabalho em eventos temporários. Para o MPT, é urgente que empresas e organizadores de grandes festivais implementem sistemas eficazes de monitoramento e fiscalização, a fim de prevenir abusos e garantir que direitos trabalhistas sejam respeitados.
Com a conclusão desta investigação, o MPT espera não apenas punir os responsáveis, mas também enviar um recado claro sobre a importância da integridade nas relações de trabalho, em qualquer setor. A sociedade, em geral, deve estar atenta e cobrar medidas que garantam um trabalho digno e seguro para todos, independentemente do evento ou do contexto.
Essa matéria destaca não apenas o ocorrido, mas também o impacto que ele teve em debates mais amplos sobre direitos trabalhistas e responsabilidade social de grandes eventos no Brasil.