Sabe aquela sensação de que a pessoa retratada no quadro te observa? Bem antes dos filmes explorarem essa possibilidade para causar suspense e medo no espectador, Leonardo da Vinci já parecia estar atento a isso, muito antes de o cinema existir. O Mona Lisa possui um efeito de ótica que resulta da expressão cheia de intensidade e que nos leva a crer que o olhar penetrante dela nos segue, de qualquer ângulo que se olhe.
Muitos outros quadros, mais tarde, vieram a despertar a curiosidade por conta de histórias de tragédias que os rondavam, incluindo impressões de que alguém estava por perto, que teriam ocasionado visões e até mortes [veja ao final da matéria a história de cinco quadros mal-assombrados].
Em Cuiabá, uma história intrigante também desperta a atenção, como se a obra de arte fosse uma ponte para o sobrenatural. Na década de 1990, um notável colecionador de artes da cidade comprou obras do artista Gervane de Paula, das quais sobre duas delas ronda um mistério.
No início dos anos 90, ele adquiriu três quadros de uma das séries mais aclamadas do pintor cuiabano. Uma tela dessa série, a propósito, compõe o acervo de um dos maiores colecionadores de arte no Brasil, Gilberto Chateaubriand.
Ocorre que, à época, Gervane estava passando por um momento turbulento de sua vida – o que refletiu nas obras. Normalmente elas são carregadas de críticas à política, à invisibilidade de anônimos da cidade. Gervane expõe os males da sociedade, mesmo quando aposta na iconografia regional. Mas naquele período, algumas obras geraram mais incômodo do que o normal, como a que São João aparece com olhos transtornados ao lado de um lobo. Essa obra também faz parte desta história.
“A angústia do momento em que Gervane vivia o levou a pintar obras ainda mais simbólicas – por conta do desapego religioso – e algumas pessoas as consideravam até agressivas, como essa do São João”, disse o colecionador, que pediu para não ter seu nome divulgado.
Cartas psicografadas
Um dia, encorajado por um amigo, o colecionador foi a uma sessão espírita, dessas em que o público pode receber cartas psicografadas do “além”.
“Quando eu ia saindo, uma moça me parou e disse: ‘eu tenho uma carta para você. Quer receber?’ Eu disse que por mim tudo bem, curioso do que estava por vir”. A carta sugeria que o espírito dela e de outra mulher estavam presos a um quadro da casa dele. “A mulher do Centro Espírita pediu que eu o levasse até lá para fazer uma fluidificação, com o intuito de diluir as energias ruins”.
Pois, pelo visto, o dono da obra estava sendo observado há tempos. “Sem saber ao certo de que quadro se tratava, pensei que fosse o de São João, porque muita gente temia esta tela e eu já tinha ouvido muitas reclamações sobre a aura dele. Me diziam: ‘tira esse quadro da parede, ele não tem uma energia boa’”.
E o que ele fez? Levou o “São João até lá”. “O médium que me atendeu disse que não havia jeito de fluidificar aquele quadro, porque a tinta estava impregnada de sentimentos ruins, que só daria certo se fosse queimada. E eu não estava disposto a fazer isso”.
“Fui embora com o quadro, sem ninguém ver. Só que, quando estava saindo, aquela mesma moça da carta me parou e disse: ‘ei, elas pediram para te dizer que não é esse quadro que você trouxe, é o com duas mulheres e um pantanal ao fundo – e me perguntei: ‘mas como ela sabe, se ninguém me viu entrar com o quadro, se ele estava envolto em papel?’. E como ela sabia do quadro das duas mulheres que eu tinha em casa? Fiquei intrigado. Ela me falou o nome das duas mulheres no plano espiritual. Acho que essa comprovação só vou ter mesmo quando morrer”.
Foi assim que ele constatou que o quadro estava em uma parede de um quarto fechado, onde nunca entrava ninguém. Batia com a descrição, pois na carta ela dizia: “É como estar presa em um quadro de horrores e sentir a vida passar por mim. Meus olhos esbugalhados pedem para ser trocados. Não sou animal para ter olhos de boi”, o que levava a crer que se tratava do quadro das duas mulheres.
“Voltei ao centro com o quadro e elas me agradeceram”. Nunca mais reclamaram. Agora, elas ficam de frente a uma janela, voltadas para a rua que fica em uma das regiões mais movimentadas da cidade.
E o quadro do São João? “Olhando mais a fundo, percebi que os olhos do lobo estavam inacabados. Então, pedi ao artista que colocasse a pupila no lobo. Parece que depois disso, as coisas foram amenizadas”, diverte-se.
Quadros mal-assombrados
É certo que as obras de arte podem causar efeitos diversos no espectador – e o medo é um deles. Muitos quadros estiveram envolvidos em polêmicas ao longo dos anos, suspeitos de aterrorizarem lares, assim como a série “Crying Boys”, de Giovanni Bragonlin, comercializados nos anos 1980.
A história virou lenda urbana no Brasil só nos anos 1990. Sem ter vendido uma obra sequer, o pintor italiano teria feito um pacto com o diabo. O tabloide inglês The Sun, conhecido por espalhar boatos, publicou em 1985 uma história de um bombeiro que teria relatado que, em uma série de incêndios, foi verificado que os quadros nunca se queimavam, o que alimentou a chama da polêmica que o rondava: as casas que possuíam esse quadro na parede estavam passíveis de serem incendiadas. O pintor fez outros quadros que compuseram uma série.
Confira outros quadros que foram alvo de muita curiosidade ao longo dos anos:
O menino que chora, Giovanni Bragonlin
Sem título, Zdzislaw Beksinski
O pintor polonês não deu nome a nenhum de seus quadros, mas boa parte deles parece ter saído de um pesadelo. A vida do pintor também foi rondada pela tragédia: perdeu a mulher em 98, o filho cometeu suicídio um ano depois e o próprio pintor foi assassinado seis anos depois do suicídio do filho. Reza a lenda que quem olhar seus quadros por muito tempo acaba morrendo.
As mãos resistem a ele, Bill Stoneham
O quadro pintado em 1972 ganhou fama no eBay ao ser vendido como amaldiçoado. Em 2000 os antigos donos o colocaram à venda relatando que os personagens tomavam posições diferentes na tela e por vezes, até saíam dela. O pintor teria afirmado em entrevista que o dono da galeria onde o quadro foi exposto e crítico da obra morreram em menos de 1 ano após observarem a imagem.
O homem angustiado, sem autoria
Reza a lenda que este é um dos mais mal-assombrados do mundo e que o autor teria misturado o próprio sangue à obra antes de cometer suicídio. O atual dono da peça, Sean Robinson, disse que recebeu o quadro da avó, que acreditava que a obra era amaldiçoada. Segundo ele, uma vez que o quadro foi pendurado, era possível ouvir murmúrios e choro durante a noite. (Com O Sábio)