Aos 40 anos, a britânica Yvonne passou por um acidente corriqueiro. Trabalhando em um supermercado, um colega espirrou, acidentalmente, um pouco de limpa vidros em seus olhos ao higienizar uma geladeira. Ela teve os olhos lavados com água e foi encaminhada de ambulância ao hospital, onde fez exames e uma lavagem na região.
Seu marido reclamou da situação e disse a ela: “Você não vai trabalhar amanhã”. Era o primeiro emprego da mulher, que passou boa parte da vida adulta em casa, cuidando dos seis filhos. A visão de Yvonne foi ficando turva e, no outro dia, ela acordou sem enxergar absolutamente nada. A inglesa se consultou com vários médicos ao longo de seis meses, fez muitos exames, mas ninguém conseguia encontrar nada de errado com os olhos dela.
Continuando seu caminho atrás de uma resposta, Yvonne foi parar em um neurologista. O marido sempre se intrometia nas respostas e falava bastante. A dona de casa ficou duas semanas no hospital esperando os resultados de seus exames. Mais uma vez, nenhuma doença foi encontrada, e a conclusão dos especialistas foi a de que a cegueira deveria ter sido causada por estresse. O marido ficou indignado com o diagnóstico, mas concordou em iniciar um tratamento psiquiátrico.
Depois do tratamento, a visão retornou ao normal. O episódio da dona de casa foi relatado no livro It’s All In Your Head (Está tudo na sua cabeça, em bom português), escrito pela neurologista Suzanne O’Sullivan.
O cérebro controla o corpo inteiro e o que acontece dentro da sua cabeça pode muito bem ter sintomas físicos: são as chamadas doenças psicossomáticas, como no caso de Yvonne. “O físico responde ao que está ocorrendo na mente e isso pode se dar de diversas formas, desde dor à incapacidade de funcionamento normal dos órgãos”, afirma o psiquiatra Antônio Geraldo, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e Presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina (APAL).
A relação entre a psique e o organismo é muito próxima. “O cérebro tem alças de intervenção no corpo inteiro. Por meio do hipotálamo, ele controla glândulas responsáveis por hormônios como cortisol, adrenalina, sexuais e os da tireoide, por exemplo. Ele comanda a frequência cardíaca, a pressão arterial, o ritmo da respiração. O órgão decide também a quantidade de informação que vai chegar à consciência e a intensidade da dor de uma pessoa”, explica o neurologista Leandro Teles, da Academia Brasileira de Neurologia.
Mente sã, corpo são
Por ser tão influente no organismo, quando o cérebro adoece, o corpo costuma ir junto: tanto física quanto psicologicamente. Um bom exemplo é o de uma pessoa ansiosa. A razão é psíquica, mas os sintomas são muito claros. As mãos começam a suar, o coração bate mais rápido, o estômago dói e alguns têm até diarreia. As manifestações são imprevisíveis e não há exame físico que descubra quais as razões do problema. Está tudo dentro da cabeça.
Sem saber de onde vem a doença, o paciente costuma viver uma verdadeira epopeia. Pula de médico em médico, faz milhões de testes com resultados normais até finalmente conseguir o diagnóstico: o culpado é o cérebro. O especialista precisa ter bastante cuidado, estudar bem o histórico para chegar à raiz do problema e afastar qualquer hipótese de ser algo estritamente físico.
Em outras situações, como na psoríase ou dermatite atópica, por exemplo, a doença está presente nos genes, mas só se expressa depois que a pessoa passa por uma situação de grande estresse. Ou no caso da fibromialgia, onde se tem crises de dor extrema ligadas diretamente às emoções.
E nem todo mundo aceita bem. “É importante deixar claro: não é algo que acontece voluntariamente. O paciente não cria a doença e nem se beneficia por ela. Ele não quer ficar doente. Não é comodismo, frescura ou fraqueza. Esse preconceito precisa ser combatido”, explica Leandro.
Segundo o neurologista, há um entendimento na medicina de que praticamente toda doença física tem relação com o emocional. Os sintomas psicossomáticos são como quaisquer outro, não são menores ou menos importantes e demandam atenção igual dos profissionais.
Veja algumas doenças psicossomáticas comuns:
Tratamento
As doenças psicossomáticas aparecem em qualquer lugar, mas frequentemente se manifestam na pele. O maior órgão do corpo é cheio de terminações nervosas e o primeiro passo é cuidar das lesões aparentes. O paciente quer melhorar, e como as enfermidades costumam ser bastante visíveis, tendo de lidar com os olhares julgadores das pessoas, pioram ainda mais. “Precisamos apresentar uma melhora, precisamos acalmar e tratar o problema antes de partirmos para o acompanhamento psicológico”, explica a dermatologista Ivonise Follador, da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
De acordo com o psiquiatra Antônio Geraldo, o curso de tratamento depende de cada caso, mas, na maioria das ocorrências, cuidar dos sintomas é atingir apenas a ponta do iceberg. “Se a sintomatologia é depressiva, ou mais de ansiedade, é preciso fazer a escolha do medicamento adequado e, aliado a isso, psicoterapia para evitar que o paciente ande em círculos. O acompanhamento psíquico é importante para descobrir a raiz do problema”, afirma o médico.
O doutor Google
Apesar da facilidade de ter um mundo de informações na ponta dos dedos, a procura de respostas pra os sintomas na internet pode favorecer o desenvolvimento das doenças psicossomáticas. Quando uma pessoa vulnerável recebe informações de baixa qualidade – tem um formigamento no pé e já encontra um site apresentando a possibilidade de ser esclerose múltipla, por exemplo –, ela pode se tornar mais ansiosa, amedrontada, prestar mais atenção ainda no indício ou acabar criando outros.
“É preciso tomar cuidado para não agravar o problema. O melhor é ter o apoio de um médico para diagnóstico preciso e, eventualmente, o acompanhamento de um psicólogo para te ajudar a compreender o que está acontecendo”, conta Leandro.