Campo Grande perdeu um grande amigo e médico
Texto do Marcelo tinoco
Marcelo “Borg” Silveira
Há exatamente uma semana estive com ele pela última vez. E cheguei em casa muito afetado e com alguns questionamentos sobre o porquê de alguns fins não serem nos mesmos compassos que toda uma história de uma pessoa. E hoje, finalmente, Marcelo perdeu seu último match point. Mas lutou até o último momento com a elegância, força e beleza com que vivia a sua vida. Estava fazendo umas contas e constatei que o conhecia há já quase 40 anos. E até hoje, nunca ouvi uma pessoa sequer falar mal dele.
Marcelo formou-se nas quadras do Luso Brasileiro Tênis Clube, nas quadras do Centro Esportivo Miécimo da Silva ou Clube da Michellin, nas pistas do Campestre, na Universidade Federal Fluminense ( regularmente almoçávamos em Niterói ) e nas correntes de vento de Paciência. Sempre inventava moda.
Bandeirante de ortodontia em Campo Grande, deixou uma avenida para seus colegas trabalharem sempre o tendo como referência e padrão de qualidade. Marcelo se reinventava sempre. Ele certa vez pediu que lhe trouxesse uma ferramenta muito usada por carpinteiros nos EUA, e ele adaptou para que aqueles malditos braquetes de aparelhos, pontudos e impiedosos causadores de aftas. Todas as vezes que lhe visitava em consulta, ele tinha algo novo e algo em mente. Muitos anos antes de se falar em glutamina, para ganho de massa muscular, ele já tinha lido livros sobre o assunto e me deu um de presente. Anos atrás, falar sobre oxidologia ou ortomolecular era algo assustador e futuroso e lá estava Borg adaptando coisas da medicina na odontologia. E eu aplaudia, porque mesmo que não compartilhasse de suas idéias ortomoleculares (sinceramente acho que alguns médicos usam teorias sem provas bem documentadas para ganhar dinheiro com a venda de terrenos na Lua, infelizmente ), eu pelo menos tinha a simplicidade de ouvir as suas teorias, as quais sempre tinham em mente fazer mais e mais eficientemente o seu labor. Marcelo era uma figuraça. Uma de suas modas foram os aparelhos para controle do ronco. Eu como roncador profissional garanto: funcionava. Deixei de usar porque a noite ficou muito pacata e silenciosa em casa e Mônica parou de me dar cotoveladas. Como poderia viver sem agitar?
Depois, ele inventou um aparelho para emagrecer, que ele próprio usou e perdeu muito peso. Mas acho que Marcelinho, seu filho, resolveu não usar. E assim Deus me fez ter várias conversas com ambos, em separado, e era muito engraçado. Explico: Marcelo pai ( que me pedia para conversar com Marcelinho, e eu amo este guri ) dizia que o filho era doido (no bom sentido, pois no fundo o que ele queria era que seu filho fosse mais ativo em exercícios e no zelo pelas escolhas alimentares, coisas típicas de pai zeloso… ) e aí Marcelinho vai e sai com a melhor frase de todos os tempos: ‘Tio, eu sou maluco por fora e normal por dentro. E ele, que é normal por fora e maluco por dentro?”. Faz sentido. Adorei esta frase. Agora é minha…
Marcelo era um doido varrido ( estou desconfiado de que todos os Marcelos têm algum parafuso a menos ). Virava e mexia ele cismava em empinar pipas com as quais ele controlava com grossos barbantes com ambas as mãos. Eram pipas gigantes. E acho que foi na mesma época na qual usou aquele aparelho para emagrecer. Secou… era bom de ver isso. Era saudável. Não apenas pela perda saudável de peso mas pela criatividade com que lidava com a oportunidade de entrar em sinergia com a natureza.
No tênis, era um ás e apesar de eu ter tido muitas chances, nunca pude derrotá-lo com facilidade. Ele era muito melhor, detalhista e tinha um back hand, a la Bjorn Borg, de onde partiu seu apelido, e com as duas mãos na raquete acertava mais que errava. Era o único que jogava assim, para variar. Fez escola.
Nunca o vi embriagado. Testemunhei dois pileques. Um quando trouxe um vinho num aniversário da Grasiele Rosa, quando chegamos a ensaiar uma viagem pela França e esta terá de ser adiada, no que será uma das coisas mais valiosas que deixei de fazer na vida e no outro pileque, ele apareceu de mansinho em minha casa para experimentar minhas pimentas e ali ele assinou a confissão de louco. E temos um vídeo em meu facebook… E o doido provou que era doido profissional comendo algumas de minhas conservas. Suou muito e lambeu a lata de cerveja gelada que carregava. Mas suou muito mesmo… assistam se puderem. Ele estalava a beiça! 😂
Eu sei que há muitas coisas bonitas para falar sobre uma pessoa tão linda, tão amiga, nobre e cavalheira. Mas não há ciberespaço suficiente. Marcelo era um amigo exemplar. Uma pessoa feliz, guerreira e que mesmo no leito de guerra ainda encontrava um sorriso. Desinventou a internet quando foi morar em sua casa no Rio da Prata! Sabia que era necessário ter espaço para simbiose e retroalimentar sua energia!
Eu fico pensando e acho que algumas pessoas tinham de ser proibidas de morrer e vou citar alguns vivos e outros não: Manelzinho pai do veterinário e primo Cláudio Manoel, Ricardo Maradona, Vic Perrota, Có, Professor Gils, a Mulher de Verde, Dr. Elton Veloso de Castro, Zé Cascão, os Pieroni, Ilídio Rodrigues da Silveira, Luis José Tinoco, qualquer Gameleira, Marcelo Silveira, Melhoral e outros bons nomes. Parece clichê ao avesso porque hoje há menos uma estrela e a noite se despede com nuvens negras, pesadas, numa demonstração de natureza triste. Pudera, porque não é toda hora que percebemos que mais que um amigo, pai ou tio, um anjo viveu bem entre nós. E mais uma vez em Campo Grande, berço de nossas histórias.
Carpe diem, se der.