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Um candidato a governador abre a torneira que jorra água numa casa humilde. Um presidenciável navega pelas águas da transposiçăo do Rio Săo Francisco. Os vídeos das campanhas dăo a entender que a celeuma da estiagem acabou no país. Fantasia. Quase 28 milhőes de brasileiros vivem na regiăo do semiárido e convivem com a falta d’água. Pelo menos 780 municípios — 14% do total brasileiro — decretaram estado de emergência e pediram ajuda ao Ministério da Integraçăo Nacional. Frear o problema já custou R$ 509 milhőes este ano.
Atualmente, dois milhőes de pessoas săo abastecidas por carros-pipa em Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Sergipe, Piauí, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Dados do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), baseados em imagens de satélites, mostram que agosto terminou com 53% dos municípios do Nordeste enfrentando seca. Ao todo, 952 cidades de 1.794 da regiăo Nordeste viviam a escassez de água naquele mês.
As cenas narradas no início da reportagem săo repetidas diariamente no horário eleitoral, mas os planos de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) năo falam claramente sobre o tema. Dos 13 candidatos, somente quatro abordaram a questăo e apenas uma campanha trata especificamente do assunto.
“A seca ainda é desafiadora”, alerta o diretor e pesquisador em Recursos Hídricos do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), Salomăo Medeiros. Para ele, manter a segurança hídrica da regiăo é o obstáculo a ser enfrentado. “Avançou-se muito nos últimos anos, mas dizer que ela acabou é mentira. A última seca nos provou que a nossa vulnerabilidade é a área urbana”, explica.
Mesmo as obras realizadas nas últimas décadas foram insuficientes, de acordo com os dados obtidos por Medeiros. “A chegada das águas da transposiçăo foi essencial para Campina Grande năo entrar em colapso: mais de um milhăo de pessoas ficariam sem água. Até hoje, temos municípios sendo abastecidos por caminhăo-pipa. Estamos com um problema ligado à gestăo da água e esse é um fator limitante”, critica.
Rudá Ricci, cientista político da Pontifícia Universidade Católica de Săo Paulo, coordenou campanha presidencial em outros pleitos e descarta “a falta de conhecimento” sobre o assunto dos candidatos. “Há uma vantagem política de ter bolsőes de pobreza. Quando isso é combatido, nascem outras demandas. A mesma coisa acontece com a seca. Campanha é algo altamente profissionalizado. Há dados de tudo, dossiês, pesquisas e especialistas. Năo é simplesmente desleixo deixar o tema de fora do plano de governo”, conclui.
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Săo Francisco, Anivaldo Miranda, aponta que, tradicionalmente, a problemática do semiárido năo faz parte da agenda política e que, apesar de torpe, a troca de voto por água ainda é uma constante. “Nunca esteve entre as prioridades. Năo seria diferente agora, principalmente numa eleiçăo na qual o debate foi comprimido a ataques pessoais e a uma polarizaçăo. Sem dúvidas, a seca ainda é usada para captar voto. A insegurança hídrica faz com que as populaçőes fiquem reféns”, defende.
A Articulaçăo Semiárido Brasileiro (ASA) lançou a campanha “Năo troque seu voto por água. A água é um direito seu!”, com o objetivo de alertar, fiscalizar e denunciar os abusos no uso eleitoreiro da água nas eleiçőes. A iniciativa começou nas eleiçőes municipais de 2012. A vigilância ocorre nos nove estados do Nordeste e no semiárido do Norte mineiro.
Frentes atuais
O Ministério da Integraçăo Nacional, apesar do cenário crítico, garante que atua em diversas frentes para enfrentar as dificuldades da escassez hídrica. “Um conjunto de investimentos tem sido direcionado ao atendimento emergencial e à execuçăo de obras estruturantes, com a finalidade de minimizar os efeitos para a populaçăo. Entre as açőes de apoio imediato, estăo a implantaçăo de adutoras de engate rápido, o abastecimento por meio de caminhőes-pipa nas áreas urbanas e rurais e a aquisiçăo de forragem para alimentaçăo animal”, pontua o órgăo, em nota.
Contudo, o governo federal admite que as açőes săo complementares à atuaçăo dos estados e municípios. “O desafio de superar as vulnerabilidades climáticas só pode ser enfrentado com o comprometimento de todas as partes envolvidas para a construçăo das soluçőes eficazes”, argumenta. Uma das medidas mais bem-sucedidas, o Programa Água para Todos instalou cerca de 385.584 estruturas entre 2012 e 2018. Mais de 2,6 milhőes de pessoas tiveram acesso a cisternas, sistemas coletivos, pequenas barragens, barreiros e poços.
Para se ter ideia da gravidade do problema, os reservatórios do semiárido estăo com cerca de 18% da capacidade total. Ao todo, 135 (34,8% das bacias) estăo com volumes abaixo de 10% da capacidade. Apenas 45 (11%) das bacias estăo com quantidade de água superior a 75%. No Ceará, por exemplo, a situaçăo é de colapso. As bacias estăo com 12% de abastecimento. Em Pernambuco, 14%.
Contrato
Os reconhecimentos federais de situaçăo de emergência ou de calamidade pública têm vigência de 180 dias. Dentre as açőes de apoio imediato, estăo a implantaçăo de adutoras de engate rápido, o abastecimento por meio de caminhőes-pipa nas áreas urbanas e rurais e a aquisiçăo de forragem para alimentaçăo animal. Coordenadas pela Secretaria Nacional de Proteçăo e Defesa Civil (Sedec) do Ministério da Integraçăo Nacional.
O que eles propőem
Fernando Haddad (PT)
» Ampliar o Programa Um Milhăo de Cisternas e dar continuidade do Projeto de Integraçăo do Rio Săo Francisco (Pisf).
Marina Silva (Rede)
» Promover a universalizaçăo do saneamento básico, reúso de água e aproveitamento de água da chuva.
Ciro Gomes (PDT)
» Expandir os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto.
Guilherme Boulos (PSol)
» Adotar soluçőes que permitam o gerenciamento das águas do período chuvoso e a reduçăo das carências nos períodos de estiagem, assim como a adoçăo de estratégias de reúso e tratamento de águas residuárias.
Fonte: Planos de governo registrados no TSE (A reportagem enviou e-mail para as outras campanhas, mas nenhuma respondeu).
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Fonte: Brasil