RIO — Um jovem ator foi agredido, na madrugada desta quarta-feira, no Terminal Parque Dom Pedro II, no Centro de São Paulo, após quase ser assaltado e ser acusado pelos criminosos de ter cometido o crime. Diogo Cintra voltava de uma festa e, próximo ao terminal, foi abordado por dois homens. Eles anunciaram o assalto, mas o ator disse que não tinha nada que pudesse ser levado. Os bandidos insistiram e Diogo correu. Ao chegar no terminal, pedir por ajuda e não conseguir, o jovem avistou os criminosos ao lado de seguranças. Diogo foi abordado e, antes que pudesse falar, foi acusado de ter roubado os rapazes.
— Tentei falar com uma vigilante antes, mas ela me mandou embora porque disse que não podia me ajudar. Mais à frente encontrei esses seguranças, mas os bandidos, que antes eram dois, estavam em um grupo de seis. Eu tentei explicar o que aconteceu, mas me mandaram calar a boca. Os bandidos disseram que eu era o assaltante e não eles. Não consegui me explicar. Os seguranças me levaram para fora do terminal e o grupo me pegou, dizendo que ia me levar para o “rio” — disse Diogo.
O ator foi levado para fora do terminal e agredido com socos, pontapés, pauladas e pisadas. Os suspeitos chegaram a usar três cachorros para agredir o ator.
— Quando eles me levaram, me bateu o desespero. Eu comecei a me debater e, aí, eles me bateram para caramba. Foi chute, paulada, pisada. Depois que pararam, eles trouxeram três cachorros que avançaram em mim. Eu só consegui me livrar deles porque a menina que estava com o grupo espantou os cães e pediu que parassem. Eu corri para o terminal e, lá dentro, me ofereceram uma cadeira de rodas, disseram que iam me levar para o hospital. Mas eu me neguei. Eu pensei que não ia conseguir sair dali. Ali era a hora da minha morte — contou.
Diogo entrou em um ônibus e foi para a casa de um amigo, que o levou ao hospital, onde recebeu atendimento médico. Ele teve diversos ferimentos pelo corpo e já está em casa, onde se recupera.
‘O racismo mata todos os dias’, escreveu Diogo
Diogo Cintra é negro. Segundo ele, os assaltantes que o acusaram eram brancos. Para o ator, a negativa dos seguranças em ajudá-lo e o motivo pelo qual eles não ouviram a sua versão sobre os fatos foi racismo.
— As pessoas me viam apanhar, mas ninguém fazia nada. Eu não sei se foi medo, mas ninguém ajudou. Mas, no caso dos guardas, acho que foi racismo mesmo. Se eles acharam que eu era culpado, por que não chamaram a policia? A polícia resolveria isso. Eles não fizeram nada. Um dos seguranças foi quem me levou para fora — contou.
As agressões sofridas pelo ator foram relatadas por ele em um longo texto nas redes sociais.
“Por pouco, eu não fui morto por uma injustiça e por conta de um ato racista. Racista, porque eu sou negro e estava simplesmente andando de madrugada. Racista porque ninguém naquela noite acreditou em mim, e além de ser assaltado, fui sentenciado por pessoas que nem quiseram me ouvir falar. Por que diabos automaticamente o segurança assumiu que eu era o bandido e que os outros caras estavam falando a verdade? E o pior, o segurança também era negro. O que diabos levou a ele a não sentir sequer o mínimo de empatia por mim? […] O racismo mata todos os dias! Eu fui vítima não só de racismo, mas do absurdo e da violência que pessoas que tentam fazer “justiça com as próprias mãos” são capazes. Fui entregue por pessoas que provavelmente acharam estar fazendo o justo e o correto. Seguranças me entregaram só por ser negro a assaltantes que deixaram claro que iriam fazer muito mal a mim. Seguranças que concluíram, numa só olhada, que diante deles havia um ladrão”, escreveu Diogo em trechos da publicação.
O caso foi registrado na 78ª DP (Jardins). De acordo com Diogo, o crime foi registrado como roubo. Questionada sobre o registro, a polícia informou apenas que “um inquérito foi aberto para investigar o ocorrido”. Ainda segundo a Polícia Civil, Diogo será ouvido e as imagens das câmeras do terminal serão analisadas para identificação dos autores das agressões. Agora em processo de recuperação dos ferimentos, Diogo afirmou que fará o registro por racismo.
— Vou registrar o racismo também. Amanhã vou conversar com um promotor. O que eu pretendo fazer é continuar com isso até que a justiça seja feita e os responsáveis sejam devidamente punidos — disse.
A publicação feita nas redes sociais por Diogo foi compartilhada mais de 11.500 vezes. Entre os comentários, muitos apoiam a atitude do jovem e lamentam o ocorrido. “E ainda vem gente dizer que não existe racismo, que é tudo mimimi. Me dá uma raiva tão grande ler esses comentários minimizando o sofrimento alheio, mostra só o quanto aquele ser é podre!”. “Lamentável nós ainda termos tanto ódio e discriminação, que vergonha da nossa espécie. Sinto muito pelo que te aconteceu. Força para você Diogo. E mais amor pelo próximo galera, o que nos falta é amor”, escreveram internautas.
Procurada pelo GLOBO, a SPTrans, responsável pelo terminal rodoviário onde tudo aconteceu, informou que solicitou esclarecimentos à SPURBANUSS, empresa responsável pela administração do terminal e repudiou qualquer ato de racismo. “Ao tomar conhecimento da ocorrência, a São Paulo Transporte (SPTrans) solicitou esclarecimento à SPURBANUSS, responsável pela administração do Terminal Parque Dom Pedro II, e vai colaborar com as autoridades para elucidar os fatos. A SPTrans repudia quaisquer atos de agressões e racismo e, se comprovadas as denúncias, solicitará o afastamento imediato dos envolvidos”.
Fonte: G1