Brasília está a cerca de mil quilômetros do mar. Porém, em meio às árvores retorcidas e ao chăo de terra seca, a capital federal tem um tesouro de 48 quilômetros quadrados de área e uma populaçăo inteira que depende de suas águas, o Lago Paranoá, homônimo do rio represado que lhe deu origem. O nome vem do latim e significa “enseada do mar”. O espelho d’água abriga mais de 52 mil embarcaçőes, o que coloca o Distrito Federal na quarta posiçăo nacional em tamanho de frota náutica. Segundo a Marinha do Brasil, estăo à frente de Brasília apenas Săo Paulo, Paraná e Rio de Janeiro.
O entusiasmo do brasiliense com as atividades náuticas tem movimentado um mercado de itens de luxo, que ganha novos ares e adeptos com perfis diferentes. O sistema de compra por cota, que é nada mais é que uma aquisiçăo em sociedade, deu ao público de classe média uma opçăo acessível de investimento. Os contratos conjuntos, assim como o bem adquirido, săo geridos pela empresa que vendeu a embarcaçăo e o cotista năo precisa se preocupar com as negociaçőes entre os sócios, que, na maior parte das vezes, năo se conhecem.
Assim, muitos apaixonados pela navegaçăo puderam realizar o sonho de ter uma embarcaçăo. Nascido em Salvador, Thiago Brandăo, 38 anos, encontrou nas cotas e na lancha uma forma de aproximaçăo com a terra natal. Há três anos em Brasília, ele trouxe ao quadradinho a mulher e o filho. Antes companheiro de surfe do pai, o menino hoje acompanha o casal em passeios motorizados no lago e em atividades mais radicais: eles praticam wakeboard, modalidade na qual a prancha é puxada por um barco. “Eu năo vivo fora d’água. Surfava todos os dias em Salvador. Năo perdi essa conexăo aqui na capital, estou todos os fins de semana no lago”, conta.
A democratizaçăo desses bens oportunizou o lazer no lago, antes exclusivo da populaçăo com poder aquisitivo mais alto. O bancário Yuri Resende, 29, acredita que, além dos bons momentos de diversăo, ter um barco é mais do que sinônimo de status. “É a relaçăo poder-sucesso, assim como ter uma mansăo, um carro importado, frequentar camarotes, é estar onde nem todos podem ir. Mas isso năo é tudo. Para mim, vir ao lago e passar o dia por aqui é o melhor programa a se fazer, perde só para viajar”, ressalta. Ele também relata que os gastos săo reduzidos quando comparados a outras opçőes de entretenimento em Brasília. “Eu gosto sempre de estar com muita gente. Normalmente, levo cerca de 10 amigos e rachamos todos os gastos com bebida e alimentaçăo.”
Thiago e Yuri săo clientes de Rogério Fayad, 29, proprietário da Premier Jet, empresa de aluguel e compra de lanchas e de motoaquática. Segundo ele, os gastos mensais incluem todas as despesas de manutençăo, segurança e guarda da embarcaçăo. “O cotista terá um custo único mensal a partir de R$ 270 por mês para o jet-ski e a partir de R$ 500 por mês para a lancha”, afirma. O empresário sustenta que o lago propicia um sentimento especial para quem nele navega. “A paisagem e o pôr do sol de Brasília vistos do lago săo únicos e inesquecíveis. Só dando uma volta de lancha para saber. As poucas alternativas de lazer ao ar livre e o clima seco fazem do lago uma das melhores opçőes”, resume.
Mercado aquecido
Há quem prefira a exclusividade de ter um barco só para si. Entre os muitos modelos, pode-se encontrar um motoaquática zero-quilômetro a partir de R$ 29 mil e até modelos de mais de R$ 100 mil. As lanchas também têm grande variaçăo de preços, um modelo simples, com 16 pés (cerca de 5 metros), pode sair por R$ 50 mil, já as embarcaçőes maiores, com 52 pés (15 metros), alcançam os R$ 5 milhőes.
Júnior Ferreira, 33, é vendedor em uma loja especializada em itens náuticos e afirma que, desde 2013, o mercado brasiliense vem passando por uma tendência de sofisticaçăo. “De cinco anos para cá, os clientes têm escolhido barcos maiores e mais caros, hoje, as lanchas mais baratas estăo saindo menos e a preferência é para as com mais de 30 pés, cujo valor gira em torno de R$ 1 milhăo”, avalia. Ele estima que os lucros obtidos somente com a área de vendas de jet-skis e lanchas alcance R$ 2,5 milhőes por mês.
Para confraternizar com os amigos, Bruno Bermudez, 21, é quem mais usa a lancha da família. “Como somos sócios de um clube, os custos fixos totais giram em torno de R$ 136 por mês, mais uns R$ 300 com um marinheiro para fazer as limpezas e manutençőes da lancha. Entretanto, o que pesa é a gasolina, que pode variar de R$ 800 a R$ 1,2 mil, dependendo do tamanho e do quăo vazio está o tanque”, conclui.
A movimentaçăo náutica no Lago Paranoá também impulsionou o surgimento de outros comércios na regiăo. Um empreendimento em Capitólio (MG) serviu de inspiraçăo aos amigos Rodrigo Melchior, 30, e Godofredo Gonçalves, 33, donos da Porto Marina Lounge Bar. “Nós tínhamos uma lancha e notamos que năo havia opçőes de entretenimento no lago, entăo, em uma viagem a Porto Escarpas, conheci um bar flutuante e decidimos adaptar a estrutura ao lag,o e encaramos o desafio mesmo com todas as dificuldades de regulamentaçăo”, menciona Rodrigo.
Ao sabor do vento
A velocidade e a praticidade dos barcos motorizados ofuscaram a beleza dos barcos movidos a vento. Mas a prática da vela ainda mantém muitos apaixonados. Julia Sampaio, 14 anos, é competidora na categoria em dupla. Ela já viajou pelo Brasil e conquistou uma série de títulos. “Eu comecei aos 11 anos, por incentivo da minha madrinha, que era vice-diretora de um clube náutico, e dos meus pais, que sempre gostaram. Dois anos depois, eu participei da minha primeira competiçăo, em Vitória, e năo parei mais”, conta.
Há mais de 40 anos navegando nas águas do Lago Paranoá, José Celso Martins, 76, sente pesar em estar afastado de seu veleiro, por causa de um problema na coluna. “Infelizmente, há três anos que năo velejo, mas já atuei demais com a vela. Cheguei a disputar as classificatórias para a Paraolimpíada de Londres. A maioria dos velejadores săo amadores e velejam por amor, a gente é da água. Estar ao sabor do vento, apreciando a natureza, năo há comparaçăo”, confessa.
O empresário salienta que a carreira esportiva na vela é um caminho tortuoso e difícil, por isso ele é um incentivador da prática em Brasília. “Os patrocínios săo escassos, os materiais săo muito caros e, mesmo assim, temos competidores de alto nível na capital. Há cerca de sete anos, eu doei 60 velas para os clubes náuticos que promovem açőes sociais para crianças carentes e, ainda hoje, vejo as velas sendo utilizadas nas aulas solidárias”, conclui.
Para saber mais
Exigências para tirar o documento de condutor
• O interessado deverá comprovar no mínimo seis horas de navegaçăo em embarcaçőes de esporte, recreio, ou similares.
• Alcançar ao menos 50% de acertos em — prova de Arrais, que é constituída por 40 questőes.
• Apresentar cópia autenticada da Carteira de Identidade (RG), do Cadastro de Pessoa Física (CPF) e comprovante de pagamento da taxa de pedido.
• Ter idade mínima de oito anos para veleiros, sob a responsabilidade do pai, tutor ou responsável legal, e de 18 anos para motonauta, arrais-amador, mestre-amador ou capităo-amador.
Fonte: Marinha do Brasil
* Estagiária sob supervisăo de Mariana Niederauer