Entre as máximas da boa educação moderna está aquela que orienta pais, mães e cuidadores em geral a dar bons exemplos às crianças. Ao observar os mais velhos na prática, os pequenos registram modelos, padrões de comportamento e conduta, e constroem sua própria forma de estar no mundo. Mas que exemplos são esses que estamos transmitindo aos nossos rebentos?
Uma pesquisa realizada recentemente por Molico, marca de produtos lácteos da Nestlé, em parceria com a antropóloga Mirian Goldenberg, mostrou que os brasileiros não estão nem um pouco contentes com o mundo em que vivem. Segundo relatos de mil entrevistados espalhados pelo País, nossa realidade é permeada por violência, agressividade, competição, entre outras características que compõem um mundo nada confortável.
Por outro lado, o levantamento mostra que os brasileiros desejam algo muito diferente disso. A maioria dos participantes, homens e mulheres, afirmou que gostaria de viver em um mundo mais acolhedor e sensível, onde haja compaixão, generosidade e honestidade. O trabalho ainda convidou os respondentes a associarem uma longa lista de valores aos gêneros masculino, feminino ou neutro. As respostas revelam que o mundo ideal seria feminino, e o real, masculino.
“Na verdade, nada disso tem gênero. Tratam-se de valores humanos”, afirma Mirian, que também é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Essa divisão ocorre porque a sociedade está presa a estereótipos segundo os quais a mulher seria mais sensível, teria mais capacidade de cuidar, acolher, zelar pelo outro.” Mas isso não significa que apenas as mulheres possam transformar em realidade nosso desejo de um mundo melhor.
“Tanto homens como mulheres têm plena capacidade de colocar esses valores em prática”, diz a pesquisadora Camila Holpert, do Studio Ideias, agência que idealizou a pesquisa O Valor do Feminino. O grande desafio é como colocá-los em prática. E mais: como educar nossos filhos para dissociar esses atributos da divisão de gêneros?
Gente pequena, grandes transformações
“Para encontrarmos uma nova maneira de viver, para deixar a nossa impressão no mundo mais suave, mais gentil, menos agressiva e menos violenta, é preciso rever condutas e padrões de comportamento que já não nos servem mais”, avalia Camila Goytacaz, escritora e facilitadora de comunicação não violenta. Ela, que é mãe de um casal – um menino de 9 anos e uma menina de 5 anos –, coordena oficinas e palestras com outras mães para discutir formas inovadoras e menos violentas no cuidado dos filhos.
Para Camila, o grande passo é construir boas referências para os pequenos, sobretudo para os meninos, que ainda hoje são desencorajados a ocupar espaços tradicionalmente femininos. “Na minha casa, por exemplo, meu filho tem a convivência com um pai que sabe costurar uma meia furada, cozinha, pega a vassoura… Já é natural para ele, portanto, entender que os homens fazem essas tarefas.”
Quando não há referências na família, uma alternativa é promover a inclusão, aconselha Camila. Uma ideia é convidar meninos e meninas a participarem dos trabalhos domésticos; e, sempre que algo despontar como um talento, não importa o que seja, é importante chamar atenção e elogiar. “Eu faço isso com os dois. Digo: Pedro, você que é tão caprichoso, tão cuidadoso, coloca a mesa para a gente? Ou, para Joana: Filha, você que é uma menina forte, pode carregar essa cadeira para lá?”
Outra dica é não fazer divisão entre os brinquedos ou brincadeiras e permitir que todos, meninos ou meninas, brinquem com o que der vontade.
O desafio das escolas
A escola também tem um papel fundamental na formação dos futuros adultos, que habitarão – assim esperamos – um mundo mais sensível, generoso e acolhedor. “Nosso grande desafio na educação, porém, é sair do discurso e passar a praticar o que pregamos”, diz a educadora Gina Vieira Ponte. “Canso de ver professores conduzindo trabalhos belíssimos para combater o bullying, mas, no dia a dia, eles mesmos são sarcásticos, irônicos e até violentos com os alunos. Assim não funciona!”
Gina é idealizadora do Projeto Mulheres Inspiradoras, vencedor de diversos prêmios no Brasil e na América Latina. Tudo começou depois que ela flagrou uma menina de apenas 13 anos dançando uma coreografia erótica em um vídeo na internet. “Fiquei chocada com o valor que as meninas atribuíam a elas mesmas, que se resumia a um corpo para ser explorado sexualmente”, diz Gina.
Comovida, ela desenvolveu uma metodologia própria para levar histórias de mulheres inspiradoras para a sala de aula. “Queria mostrar aos alunos todo o potencial feminino”, conta. O primeiro passo foi estimular a turma a pesquisar sobre a biografia de grandes nomes, como Malala, Carolina de Jesus, Maria da Penha, entre outras.
O trabalho cresceu, e os estudantes foram convidados a pesquisar sobre as mulheres especiais na vida deles. A maioria escolheu as próprias mães ou avós, sobre as quais escreveram textos depois de entrevistá-las. O resultado é um livro publicado em 2015.
Nos últimos meses, Gina tem se dedicado a multiplicar sua experiência. Um total de 45 professores do Distrito Federal já foram capacitados por ela. Além disso, um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) acompanha o trabalho da educadora como objeto de estudo.
“O que precisamos, no dia a dia, é garantir que a escola seja um ambiente acolhedor, onde se pratique a empatia, o afeto e a sensibilidade”, conclui a educadora. “Se conseguirmos isso, naturalmente as crianças replicarão esse cenário em sua vida futura.”
Reflita mais sobre esse e outros temas em #OValorDoFeminino
FONTE: CLAUDIA