Bruno Fernandes das Dores de Souza mandou matar a modelo Eliza Samudio em 2010, “com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade”, diz a sentença. Com ela, o ex-goleiro do Flamengo teve um relacionamento extraconjugal que gerou um filho, Bruninho, e Eliza lutava na justiça pelo reconhecimento de paternidade. Ela e a criança, de apenas 4 meses, passaram quase uma semana em cativeiro. Ainda assim, muitos torcedores protestaram quando, nesta sexta-feira, o Flamengo publicou uma homenagem aos grandes guardiões da camisa 1 sem o goleiro na imagem.
A arte publicada pelo clube inclui ídolos do passado e do presente. Lá estão os dois principais goleiros do elenco atual, Diego Alves e César, a goleira Kaká, Júlio César, Clemer, Raul, Gilmar Rinaldi, Cantarelli, Zé Carlos, Fillol e Renato. Porém, a esmagadora maioria dos cerca de mil comentários na publicação reclama da ausência de Bruno. Entre esses torcedores também há mulheres, que consideram que é necessário dissociar o sucesso do jogador em campo do crime cometido fora dele.
“Pena que destruiu sua carreira e sua vida por causa de mulher”, disse uma torcedora.
“Todo mundo erra! Independentemente do que fez, quando jogou, honrou o manto”, defendeu outro.
“Nós homens que gostamos de mulheres sabemos que vez ou outra todo mundo cai numa cilada”, disse um terceiro. A afirmação lembra a de Bruno à imprensa em 2010, quando questinou à imprensa: “Quem nunca saiu na mão com uma mulher?”
Em 2013, como ainda não existia a tipificação penal de feminicídio, Bruno foi condenado em a 17 anos e 6 meses em regime fechado por homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, asfixia e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima), a outros 3 anos e 3 meses em regime aberto por sequestro e cárcere privado e ainda a mais 1 ano e 6 meses por ocultação de cadáver. Um exame de DNA comprovou que Bruno é mesmo pai de Bruninho.
Procurado, o clube não quis se manifestar.
Filho já sabe que o pai é o responsável pela morte da mãe
Em janeiro deste ano, a mãe de Eliza Samudio, Sônia de Fátima, de 54 anos, deu detalhes à Revista Marie Claire de como ela e o neto, Bruninho, lidam com a tragédia e a memória de Eliza. O menino tem nove anos, chama a avó de mãe e já percebeu que é o pai o culpado pela ausência da mãe.
“Em maio do ano passado, ele me questionou como a mãe tinha morrido, eu devolvi a pergunta ‘o que você acha que aconteceu?’ e ele respondeu ‘acho que meu pai é responsável pela morte da minha mãe’. Eu falei ‘então vamos conversar’. Quis saber se alguém tinha contado alguma coisa, mas ele disse que não. Então meu neto percebeu que eu não gostava de ouvir a respeito nem de ver as entrevistas do pai dele. Também não o deixava ver. Ele começou a tirar suas próprias conclusões e eu confirmei que sim.
– Quem é a outra pessoa que meu pai tentou tirar a vida?
Eu já tinha dito que o pai tinha feito isso duas vezes.
– Você, respondi.
Ele ficou em silêncio, espantado.
– Mãe Soninha, eu era um bebê!
As lágrimas vieram. É doloroso até hoje tocar neste assunto”, contou Sônia.
Apesar de uma testemunha afirmar que Bruno teria ordenado que traficantes esquartejassem a jovem e dessem seus restos mortais a cães para ocultá-los, Sônia diz que manterá a esperança de enterrar a filha “até o último dia de vida”.
Relembre os detalhes do crime
“Assim Elisa foi sequestrada no Rio de Janeiro e trazida cativa para o sítio em Esmeraldas, onde ficou por quase uma semana esperando a operacionalização de sua morte. O desenrolar do crime de homicídio conta com detalhes sórdidos e demonstração de absoluta impiedade. A culpabilidade é pelos mesmos motivos, igualmente acentuada em relação ao crime de sequestro tendo como vítima a criança Bruno Samúdio, sendo igualmente intensa e reprovável em relação ao crime de ocultação de cadáver. O réu Bruno Fernandes acreditou que consumindo com o corpo, a impunidade seria certa.”
Esta é a justificativa da juíza Marixa Fabiene Lopes Rodrigues, da Comarca de Contagem do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para a condenação de Bruno, proferida em 8 de maio de 2013.
Eliza engravidou em maio de 2009. Em outubro daquele ano, o EXTRA foi o primeiro jornal a tornar o relacionamento público após Eliza gravar uma entrevista em vídeo denunciando as ameaças de morte feitas pelo jogador. Grávida, ela registrou queixa contra Bruno na Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Jacarepaguá, no Rio, por tentativa de sequestro, agressão e ameaça. Ele também a obrigou a tomar substâncias abortivas.
Era a reta final do Campeonato Brasileiro que terminaria com o sexto título do Flamengo e o goleiro entre os protagonistas da conquista. Ele negava ter cometido qualquer delito.
“No tocante à personalidade tal circunstância, igualmente não favorece ao acusado, uma vez que demonstrou ser pessoa fria, violenta e dissimulada. Sua personalidade é desvirtuada e foge dos padrões mínimos de normalidade. O réu tem incutido na sua personalidade uma total subversão dos valores”, diz a sentença.
A delegada Maria Aparecida Mallet, então, proibiu o goleiro de se aproximar a menos de 300 metros de Eliza. Ainda naquele ano, a juíza Ana Paula Delduque Migueis Laviola de Freitas negou o pedido de proteção solicitado, considerando que a modelo não mantinha relação íntima com o jogador e, por isso, não podia “tentar punir o agressor sob pena de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha”.
Eliza desapareceu em 4 de junho de 2010. Amigas da modelo contaram que ela iria até Minas para conversar com Bruno, a pedido dele. No fim daquele mês, a polícia recebeu denúncias de que ela teria sido agredida, morta, tido as roupas queimadas e o corpo ocultado no sítio do jogador. Bruninho, com quatro meses, é localizado em um abrigo.
No mês seguinte, um adolescente de 17 anos, primo de Bruno, deu detalhes do crime à polícia. Ele contou que Eliza teve os braços amarrados com uma corda e foi estrangulada por Marcos Aparecido dos Santos, um ex-policial conhecido como Bola. Em seguida, seu corpo esquartejado teria sido jogado a cães da raça Rottweiler.
“O crime contra a vida praticado nestes autos tomou grande repercussão não só pelo fato de ter entre seus réus um jogador de futebol famoso, mas também por toda a trama que o cerca e pela incógnita deixada pelos executores sobre onde estariam escondidos os restos mortais da vítima. Embora para esta indagação não se tenha uma resposta, certamente pela eficiência dos envolvidos, (…) a investida do réu contra a vítima não foi a primeira vez, mas certamente foi a última. Ficou cristalino o interesse do réu em suprimir a vida de Eliza Samúdio. Agiu sempre de forma dissimulada da sua real intenção”, conclui a sentença.