Segundo a Polícia Civil, os crimes foram cometidos nos primeiros meses de 2011, em Vila Valqueire, na Zona Oeste do Rio. O caso foi descoberto pela mãe, após a professora das duas crianças identificar uma mudança de comportamento no dia-a-dia deles.
A professora chamou a mãe das crianças para uma reunião, e explicou que eles estavam desinteressados e agressivos durante as aulas. De acordo com a investigação, durante uma conversa, as crianças contaram que o pai acariciava seus órgãos genitais, e que ele usava o video game como forma de troca.
A mãe registrou caso na delegacia e levou os filhos ao Núcleo de Atenção à Criança e ao Adolescente (Naca/Rio), onde após 20 consultas foram constatados os abusos.
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Redação anterior à Lei 12.015/09:
Estupro
Art. 213 – Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena – reclusão, de três a oito anos.
Parágrafo único.
Se a ofendida é menor de catorze anos:
Pena – reclusão, de seis a dez anos.
Atentado violento ao pudor
Art. 214 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Parágrafo único. Se o ofendido é menor de catorze anos:
Pena – reclusão de dois a sete anos.
Classificação doutrinária: crime comum (não exige qualidade especial do autor); bicomum (qualquer pessoa pode figurar tanto como sujeito ativo quanto passivo); material (crime que, para a sua consumação, exige resultado naturalístico); doloso (não é punível na modalidade culposa); comissivo (embora possa ser praticado por omissão imprópria); de forma livre (a lei não prevê forma específica de praticá-lo, exceto na conjunção carnal); instantâneo (a consumação não se alonga no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado por uma única pessoa); plurissubsistente (é composto por vários atos, viabilizando a tentativa); pluriofensivo (mais de um bem jurídico tutelado: a liberdade sexual e a integridade física).
Crime complexo: o estupro é crime complexo, ou seja, ele é formado pela fusão de mais de um delito. Contudo, aquele que, mediante violência ou grave ameaça, força alguém à prática de ato sexual, pratica um único crime: o de estupro (art. 213 do CP). Nos crimes complexos, há a pluralidade de bens jurídicos tutelados, o que não ocorre nos crimes simples, que protegem um único bem (ex.: no homicídio, o bem jurídico é a vida). Nesse sentido, Cleber Masson, em seu “CP Comentado”:
O estupro constitui-se um crime complexo em sentido amplo. Nada mais é do que o constrangimento ilegal voltado para uma finalidade específica, consistente em conjunção carnal ou outro ato libidinoso.
O atentado violento ao pudor, o estupro e a Lei 12.015/09: da antiga redação, anterior à Lei 12.015/09, extraíamos as seguintes definições: a) o estupro: somente a mulher podia ser vítima, por força do que dispunha a redação legal (“constranger mulher”). A conduta criminosa era caracterizada pela conjunção carnal – a introdução do pênis na vagina – forçada, não consentida; b) o atentado violento ao pudor: se a vítima fosse forçada a praticar ou a se submeter à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o crime seria o de atentado violento ao pudor (ex.: obrigar a vítima a fazer sexo oral). E se o criminoso, em um mesmo ato, obrigasse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso? Nesse caso, responderia pelos dois delitos, em concurso material (art. 69 do CP). Com o advento da Lei 12.015/09, o crime de atentado violento ao pudor foi absorvido pelo estupro, e os dois delitos passaram a ser um só. Portanto, agora, se, em um mesmo contexto fático, o agente força a vítima à conjunção carnal e, em seguida, submete-a a outro ato libidinoso (ou vice-versa), pratica somente um crime: o de estupro.
Conjunção carnal e ato libidinoso diverso em um mesmo contexto, contra a mesma vítima: antes do advento da Lei 12.015/09, se o agente, em um mesmo contexto fático, submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso (ex.: cópula vagínica seguida por sexo anal), dois seriam os seus crimes: o de estupro e o de atentado violento ao pudor. Aplicar-se-ia, à hipótese, a regra do concurso material (art. 69 do CP), ou seja, as penas seriam aplicadas cumulativamente. Com a unificação dos crimes, caso o agente pratique, hoje em dia, as condutas acima exemplificadas, em um mesmo contexto fático, somente um crime será praticado: o de estupro, não havendo o que se falar em concurso material ou formal.
Crime único ou concurso de crimes: posicionamento do STJ. Primeira corrente (6a Turma do STJ): se o agente submete a vítima, em um mesmo contexto fático, à conjunção carnal e a ato libidinoso diverso, haverá crime único, pois o art. 213 do CP contém um tipo penal misto alternativo (ou seja, ainda que pratique mais de um verbo, cometerá um único crime. Ex.: art. 33 da Lei 11.343/06). Nessa hipótese, a pluralidade de condutas deve ser levada em consideração no momento da aplicação da pena, nos termos do art. 59 do CP. Por outro lado, se os atos forem praticados em momentos distintos, o réu deverá responder por vários estupros, em continuidade delitiva (art. 71 do CP) ou em concurso material (art. 69, “caput” do CP). Segunda corrente (5a Turma do STJ): o art. 213 seria um tipo penal misto cumulativo, ou seja, se praticada mais de uma das condutas previstas no dispositivo, deverá o agente responder por mais de um delito, e não apenas por um, como ocorre quando o consideramos como tipo penal misto alternativo (1a corrente). Com base neste entendimento, caso o agente submeta a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso (ex.: cópula vagínica e sexo anal), deverá ser responsabilizado por mais de um estupro, em concurso material. Caso seja praticado mais de uma conjunção ou mais de um atentado violento ao pudor, aplicar-se-á a regra da continuidade delitiva (art. 71 do CP). Para Rogério Greco, em seu “CP Comentado”, a hipótese é de crime único:
Caso o agente, por exemplo, em uma única relação de contexto, mantenha com a vítima o coito anal para, logo em seguida, praticar a conjunção carnal, como já afirmamos anteriormente, tal fato se configurará em um único crime de estupro, devendo o julgador, ao aplicar a pena, considerar tudo o que efetivamente praticou contra a vítima.
“Novatio legis in mellius”: provavelmente, não foi proposital, pois a intenção do legislador, ao reformar o Título VI do CP, foi, indubitavelmente, tornar mais rígida a legislação. No entanto, a Lei 12.015/09 beneficiou uma miríade de acusados de crimes sexuais. Antes da reforma, caso o agente submetesse a vítima à conjunção carnal e a ato libidinoso dela diverso, responderia por dois crimes: o de estupro, do art. 213, e o de atentado violento ao pudor, do art. 214, em concurso material – ou seja, as duas penas seriam aplicadas. Somadas, as penas poderiam chegar a 20 (vinte) anos de reclusão. Após a reforma, afastou-se o concurso material e passou a ser possível considerar a conjunção carnal seguida de ato libidinoso dela diverso como crime único – ou seja, um único estupro, com pena máxima de 10 (dez) anos. Ainda que se aplique a regra da continuidade delitiva, prevista no art. 71, a pena ainda seria mais branda: máxima de 10 (dez) anos, aumentada de 1/6 a 2/3. Portanto, impossível alcançar os 20 (vinte) anos de condenação, possíveis anteriormente. Destarte, a Lei 12.015/09 é benéfica aos acusados e condenados pela prática do crime de estupro, cumulado ao de atentado violento ao pudor, praticado antes do seu advento, e, por isso, retroagiu.
“Abolitio criminis” do atentado violento ao pudor: quando a lei deixa de considerar um fato como crime – ou seja, o delito é abolido do ordenamento jurídico -, ocorre a extinção da punibilidade de quem o praticou, nos termos do art. 107, III, do CP. Como o artigo 214, que tratava do atentado violento ao pudor, foi revogado pela Lei 12.015/09, questionou-se: seria hipótese de “abolitio criminis”? A resposta é não. Isso porque a conduta prevista no extinto art. 214 foi “transferida” para o art. 213, que trata do estupro. Portanto, forçar alguém à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal continua sendo crime, não mais de atentado violento ao pudor (art. 214), mas de estupro (art. 213). Trata-se da aplicação do princípio da continuidade típico normativa.
Objeto jurídico: é a liberdade sexual da mulher e do homem, o direito de escolher com quem deseja ter contatos íntimos, sexuais. Em nenhuma hipótese alguém poderá ser submetido a ter relação sexual contra a sua vontade. Se a prostituta, mesmo após o pagamento do “programa”, decide não fazer sexo com o cliente, a sua vontade deverá ser respeitada. Outro exemplo é o dos casados. Ainda que casada, a pessoa não poderá ser obrigada a ter relações sexuais com seu cônjuge. Portanto, o marido que obriga a esposa, mediante violência ou grave ameaça, a fazer sexo, pratica o crime de estupro. Nas relações sexuais, o consentimento dos envolvidos deve ser tido como condição absoluta, não existindo qualquer possibilidade de que o ato ocorra, licitamente, sem a sua existência.
Objeto material: é a pessoa, homem ou mulher, contra quem se dirige a conduta criminosa.
Núcleo do tipo: é o verbo “constranger”, ou seja, coagir alguém a algo. A vítima perde a liberdade de escolha e se vê obrigada a se submeter a ato sexual contra a sua vontade. O estupro é semelhante ao crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP),